Por Marcelo Naudel*
Conforme números recentes do Serasa Experian, nada menos que 207 produtores rurais entraram com pedidos de recuperação judicial no primeiro semestre deste ano, superando o volume observado ao longo de todo o ano de 2023, quando houve 162 pedidos.
É certo que vivemos uma crise financeira no agronegócio brasileiro e, ao mesmo tempo, pouco tem se falado sobre a necessidade de ingressar na Justiça com tais pedidos como uma única saída. A discussão se concentra no âmbito econômico e se distancia mais do que deveria das peculiaridades nesse setor quando os produtores optam por esse instituto.
Antes de tudo, vale refletirmos como há hoje vulnerabilidades em toda a cadeia produtiva, desde os pequenos e médios produtores até os grandes comerciantes. Os produtores enfrentam uma combinação de fatores adversos, como a alta dos custos de insumos, preços internacionais voláteis e dificuldades de acesso ao crédito. Além disso, eventos climáticos extremos, como secas, enchentes, queimadas, entre outros, têm reduzido a produtividade e comprometido safras inteiras. A pressão financeira é intensificada pela dependência de financiamentos para custear a produção, resultando em um ciclo de endividamento crescente.
Os corretores e comerciantes de grãos também têm sofrido os impactos da crise. A inadimplência por parte dos produtores afeta diretamente os contratos futuros e as margens de lucro das empresas que comercializam commodities. Além disso, a instabilidade no mercado internacional, associada às flutuações cambiais, impõe desafios adicionais na precificação e no cumprimento de acordos comerciais. Neste cenário, a fragilidade financeira dos produtores acaba sendo transmitida para outros elos da cadeia, criando um efeito dominó que compromete o equilíbrio do setor.
Com relação à recuperação judicial, os produtores têm buscado a reestruturação de dívidas e a reorganização operacional, garantindo que as empresas possam continuar operando enquanto negociam melhores condições com os credores. No setor agropecuário, vale observar que muitas empresas possuem grande importância regional e empregam milhares de pessoas, além de desempenharem um papel fundamental na segurança alimentar do país.
É por conta disso que ingressar na Justiça com um pedido de recuperação judicial deve levar em conta os ciclos produtivos e a dependência de fatores climáticos. A ideia é que o pedido atenda às demandas sazonais e a necessidade de crédito para novos plantios. Conforme a Lei 11.101/2005, está prevista a possibilidade da renegociação de dívidas com credores enquanto as empresas continuam operando, protegendo empregos e evitando a interrupção de suas atividades. Desse modo, há a reorganização das finanças dos produtores para que haja operações de maneira estruturada.
Discutir o instituto da recuperação judicial passa por ter em mente que os produtores rurais operam com margens apertadas e são altamente expostos a riscos externos, como oscilações de preços no mercado global e adversidades climáticas. Além disso, a possibilidade de renegociar prazos e condições de pagamento com credores evita a liquidação forçada de ativos essenciais, como terras e maquinário, que comprometem a capacidade produtiva e colocariam em risco a subsistência das famílias envolvidas.
Já os comerciantes e corretores de grãos, que dependem da estabilidade financeira dos produtores para cumprir contratos futuros, também se beneficiam de processos de recuperação judicial bem conduzidos. Quando produtores conseguem reestruturar suas dívidas e se manter ativos no mercado, a cadeia produtiva se fortalece, evitando um colapso generalizado. A ideia da recuperação judicial é atender individualmente empresas endividadas como proteger toda a cadeia do agronegócio. Atualmente, produtores rurais pessoas físicas podem ingressar na Justiça com o pedido desde que comprovem a sua atividade econômica contínua.
Por fim, a legislação brasileira tem evoluído para atender às particularidades do agronegócio, mas ainda há um longo caminho para garantir que os processos sejam ágeis e eficientes. A problemática das recuperações em cadeia é hoje uma realidade quando uma grande empresa pode carregar outras 20 ou 30 empresas menores face a dependência econômica criada nesta relação.
É nesse sentido que o “timing” de ação destas empresas afetadas é um elemento importante para não prejudicar ainda mais as demais operações.
Afinal, há outra saída?
*Marcelo Naufel é advogado especialista em recuperação judicial e sócio do Almendros, Batista e Naufel Advogados
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