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Dia Mundial da Reciclagem: por que o Brasil ainda trata lixo como problema, e não como solução?

Imagem: Freepik

No Dia Mundial da Reciclagem, celebrado em 17 de maio, é impossível ignorar o abismo entre o potencial do Brasil na gestão de resíduos e a realidade dos números. Ainda encaramos o lixo como um problema a ser enterrado, literalmente, em vez de reconhecê-lo como um ativo ambiental, econômico e social. A lógica do descarte ainda impera, alimentando um ciclo vicioso de desperdício, contaminação e ineficiência.

Apesar de contar com uma Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) desde 2010, o país recicla apenas 4% de todo o resíduo urbano gerado, segundo dados da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais – Abrelpe. Isso nos coloca em posição bastante inferior a países com estrutura semelhante, como o Chile, que já recicla cerca de 16%. A comparação internacional evidencia que o problema não é falta de recursos ou conhecimento técnico, mas sim de prioridade política, coerência regulatória e, principalmente, vontade de transformar o sistema.

Hoje, mais de 3 mil lixões ainda funcionam em território nacional, mesmo com a proibição estabelecida há mais de uma década. Essa negligência resulta em impactos ambientais severos, como a contaminação de solos e lençóis freáticos, e perdas econômicas gigantescas. Estima-se que o Brasil jogue fora, todos os anos, cerca de R$ 14 bilhões em materiais recicláveis que poderiam voltar à cadeia produtiva. Em paralelo, convivemos com a contradição de importar resíduos sólidos para abastecer indústrias recicladoras que não encontram matéria-prima suficiente no mercado interno. Jogamos fora o que tem valor – e compramos de fora o que já produzimos.

Boa parte do que se recicla no país é resultado do trabalho de catadores e cooperativas. Eles são os verdadeiros pilares da reciclagem brasileira, mas ainda atuam com pouca estrutura, apoio ou valorização. Muitos municípios sequer integram esses profissionais nas políticas de gestão de resíduos. É inadmissível que um serviço essencial, que reduz emissões, evita desmatamento e gera renda, ainda dependa de iniciativas isoladas ou da atuação informal.

Outro gargalo está na falta de integração entre políticas ambientais, climáticas e econômicas. A reciclagem reduz a necessidade de extração de novos recursos e corta significativamente as emissões de gases de efeito estufa, um ponto crítico em tempos de emergência climática. No entanto, ela continua fora do centro do debate sobre transição energética, adaptação urbana ou financiamento verde.

Para virar esse jogo, precisamos de medidas concretas e articuladas. Isso passa por fortalecer a PNRS, exigindo que ela seja cumprida na prática, com metas reais, prazos e responsabilização. É necessário investir em infraestrutura de coleta seletiva, ampliar os incentivos fiscais à economia circular, incluir definitivamente os catadores nas políticas públicas e tornar a rastreabilidade dos resíduos uma obrigação para empresas de todos os portes. A transparência é vital para o avanço de qualquer agenda ESG séria.

O Brasil tem uma oportunidade concreta de transformar a forma como lida com seus resíduos. Mas isso exige parar de enxergar o lixo como um estorvo e começar a tratá-lo como solução. Neste Dia Mundial da Reciclagem, o chamado é claro: reciclar é muito mais que separar materiais – é reconstruir a lógica de desenvolvimento e redefinir nossas prioridades como sociedade.

Fernando Beltrame é mestre pela USP, engenheiro pela Unicamp e CEO da Eccaplan. Com mais de 20 anos de experiência em projetos de consultoria, sustentabilidade e estratégia Net Zero, já atuou em diferentes eventos e iniciativas como a COP18, Rio+20 e fóruns mundiais.

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