Campo Grande Empresas (MS) – A demora na promulgação da legislação que define a divisão do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre o comércio eletrônico pode deixar os estados sem arrecadar a fatia que lhes seria de direito.
Segundo especialistas, como a lei foi sancionada este ano, a divisão do imposto entre a origem e o destino da compra deve ficar para 2023.
A Lei Complementar nº 190 foi sancionada no dia 5 de janeiro e altera a Lei Complementar nº 87, de 13 de setembro de 1996, a chamada Lei Kandir, para regulamentar a cobrança do ICMS em operações e prestações interestaduais destinadas ao consumidor final não contribuinte do imposto.
Levantamento do Comitê Nacional dos Secretários de Estado da Fazenda (Comsefaz) aponta que os estados podem perder, no conjunto, R$ 9,8 bilhões ao ano em arrecadação, caso o diferencial de alíquotas (Difal) não seja recolhido pelas empresas.
A discussão gira em torno da anterioridade nonagesimal, quando é vedado aos estados cobrarem tributos antes de decorridos 90 dias da data de publicação da lei, e da anterioridade anual, quando a cobrança não pode ser realizada no mesmo exercício financeiro da publicação da lei que institui ou aumenta os tributos.
Conforme apurado pelo Correio do Estado, a Secretaria de Estado de Fazenda (Sefaz) já trabalha com a possibilidade de ficar pelo menos três meses sem arrecadação do Difal.
COBRANÇA
Alguns especialistas já consideram o princípio da anterioridade fiscal, que prevê cobrança apenas no exercício seguinte. O advogado empresarial Rafael Britto é um deles, e, para ele, o recolhimento desse tributo deve ser aplicado apenas em 2023.
“O problema é que a regulação ficou por meio de convênio do Confaz [Conselho Nacional de Políticas Fazendárias], e, em 2020, o STF [Supremo Tribunal Federal] julgou como inconstitucional a cobrança, que deveria ter sido regulada por meio de lei complementar”, explicou.
“Para que não houvesse insegurança jurídica, ficou determinado que o tributo pudesse ser cobrado até o fim de 2021, mas com a ressalva da promulgação de um projeto de lei complementar que regulasse a medida”, afirmou.
O advogado especialista em Direito Tributário Luiz Brito Filho acredita que os estados cobrarão o Difal já neste ano, mas não de imediato – a lei complementar define que produzirá os efeitos após os 90 dias.
“Ainda assim, eu entendo e acompanho o entendimento de muitos juristas de que o Difal só poderia ser cobrado pelos estados em 2023. Sob o fundamento da linha B do inciso 3º do artigo 50 da Constituição Federal, que prevê que a cobrança do tributo no mesmo exercício financeiro é vedada”.
“E como a Lei Complementar 190 foi publicada no dia 5 de janeiro de 2022, o Difal não poderia ser cobrado este ano”.
“Como os estados e o Distrito Federal dificilmente concordarão com essa hipótese, porque alegarão a perda de arrecadação, nós advogados vamos sugerir que os contribuintes busquem esse direito no Judiciário”, ressaltou Brito Filho.
A Associação Brasileira de Comércio Eletrônico (Abcomm), que representa cerca de nove mil empresas em todo o Brasil, discute com seus associados a possibilidade de impetrar mandado de segurança coletivo contra a cobrança.
POSICIONAMENTO
A Sefaz segue cautelosa com relação ao assunto. A informação oficial é de que só haverá um posicionamento após reunião do Confaz, marcada para esta semana. Como se trata de uma legislação que rege tarifação interestadual, as secretarias de Fazenda precisam falar a mesma língua e agir de forma conjunta.
O diretor institucional do Comsefaz, André Horta Melo, afirma que, para os secretários de Fazenda, a cobrança deve ser imediata.
“O que tem nessa norma de instituição ou aumento de tributo? Nada. O que a norma continua regrando é a divisão da tributação nas operações interestaduais. Hoje se retomou a cobrança normal, como vinha desde 2015, sem alteração”.
“O que trouxe alguma dificuldade para essa discussão foi o fato de não ter sido sancionada até dia 31 [de dezembro de 2021]. Teve esse soluço de quatro, cinco dias. Então, isso dá margem a bastante discussão”, disse em entrevista à Folha de São Paulo.
Municípios também são beneficiados com repasses do imposto arrecadado, já que 25% de todo o ICMS angariado pelo Estado é rateado entre os 79 municípios.
Criado para corrigir distorções, o Difal permite uma distribuição mais justa na esfera estadual.
“Antigamente, as empresas se concentravam na Região Sudeste, entre Rio de Janeiro e São Paulo, e quando eu comprava um produto pela internet elas recolhiam imposto apenas no local de emissão. O Difal mudou isso. Entre um comprador de Mato Grosso do Sul e uma empresa de São Paulo, 10% do valor fica em MS, e 7%, no estado em questão”, pontuou Rafael Britto.
Conforme o levantamento de uma agência especializada em e-commerce, em 2019, as compras on-line realizadas em Mato Grosso do Sul somavam R$ 1,6 bilhão mensais. A Confederação Nacional do Comércio (CNC) estima que o e-commerce no Brasil fechou 2021 com um avanço de 38%.
“Em termos de faturamento, projetamos R$ 304 bilhões”, calculou Fábio Bentes, economista da CNC.