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O equilíbrio judicial: entre a autonomia e o dirigismo nos contratos empresariais

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Por Gustavo Araújo

A aprovação do Código Civil de 2002, inspirado no Código Civil Italiano de 1942, determinou, no âmbito empresarial, a positivação da teoria da empresa, a qual disciplina que o empresário é aquele que exerce profissionalmente atividade econômica organizada para produção ou a circulação de bens ou de serviços (art. 966 do Código Civil).

De fato, o Código Civil de 2002 unificou o direito privado, inserindo no mesmo diploma legal as normas do direito civil e as normas centrais do direito empresarial.

Essa junção não retira toda a autonomia do direito empresarial, mas centraliza, no campo obrigacional, passando os contratos empresariais e contratos civis a se fundarem na mesma base.

Contudo, essa unificação é uma preocupação para a classe empresarial e os operadores do direito empresarial, vez que a normativa do Código Civil tem caráter intervencionista, sujeitando a autonomia contratual ao exercício da função social do contrato, conforme o artigo 421 do CC.

Nesse contexto, esse caráter intervencionista, no campo obrigacional consagra o dirigismo contratual, resultado de uma maior constitucionalização do direito privado, o qual entende que em um território tomado por desigualdades sociais e econômicas notórias, a autonomia das vontades produz desequilíbrios que devem ser evitados por uma força externa e interveniente.

Todavia, o direito empresarial se destoa dos demais contratos privados, uma vez que não se pode presumir qualquer assimetria contratual. Na relação entre empresários, não há, primariamente, uma parte hipossuficiente ou vulnerável, ou seja, as relações empresariais, de uma forma geral, são exercidas entre partes simétricas, nas quais os agentes possuem paridade de armas, assim, devendo ser preservada a autonomia das vontades.

Nada obstante, não se descarta situações de desequilíbrios, mas que devem ser tratadas como casos excepcionais, vez a simetria das partes, fato que evidencia a desnecessidade do dirigismo contratual, devendo prevalecer a autonomia das partes na celebração dos contratos empresariais.

A respeito dessa questão, Waldirio Bulgarelli, ainda na década de 80, defendeu que em se tratando de contratos empresariais o dirigismo deveria ser mínimo em comparação com outros tipos contratuais, como os contratos consumeristas, devendo, assim, prevalecer a autonomia das partes. Segundo o autor, não existindo partes prejudicáveis, não há necessidade de maior dirigismo. Em suas palavras:

“Há, portanto, […] de se distinguir hoje entre os contratos comuns, firmados entre particulares, de igual ou equivalente posição econômica, dos contratos entre empresas, e dos contratos dos particulares com as empresas, sendo estes últimos, o alvo especial do chamado direito do consumidor, que só agora começa a despontar entre nós”

Assim, nos contratos empresariais, o dirigismo deve ser aplicado tão somente em caráter superveniente, ou seja, somente quando se vislumbrar a existência de assimetria contratual.

Nesse sentido, o Enunciado 21 das jornadas de Direito Comercial, em conformidade com a doutrina aplicável, evidencia a desnecessidade da aplicação do dirigismo em contratos empresariais firmado entre partes simétricas.

CJF/Comercial 21. Nos contratos empresariais, o dirigismo contratual deve ser mitigado, tendo em vista a simetria natural das relações interempresariais. (…)

  1. Contratos empresariais não devem ser tratados da mesma forma que contratos cíveis em geral ou contratos de consumo. Nestes admite-se o dirigismo contratual. Naqueles devem prevalecer os princípios da autonomia da vontade e da força obrigatória das avenças.

  2. Direito Civil e Direito Empresarial, ainda que ramos do Direito Privado, submetem-se a regras e princípios próprios. O fato de o Código Civil de 2002 ter submetido os contratos cíveis e empresariais às mesmas regras gerais não significa que estes contratos sejam essencialmente iguais.

Do que se expõe, a jurisprudência dos Tribunais Superiores entende:

DIREITO EMPRESARIAL. CONTRATOS. COMPRA E VENDA DE COISA FUTURA (SOJA). TEORIA DA IMPREVISÃO. ONEROSIDADE EXCESSIVA.INAPLICABILIDADE.

  1. Contratos empresariais não devem ser tratados da mesma forma que contratos cíveis em geral ou contratos de consumo. Nestes admite-se o dirigismo Naqueles devem prevalecer os princípios da autonomia da vontade e da força obrigatória das avenças.
  2. Direito Civil e Direito Empresarial, ainda que ramos do Direito Privado, submetem-se a regras e princípios próprios. O fato de o Código Civil de 2002 ter submetido os contratos cíveis e empresariais às mesmas regras gerais não significa que estes contratos sejam essencialmente
  3. O caso dos autos tem peculiaridades que impedem a aplicação da teoria da imprevisão, de que trata o art. 478 do CC/2002: (i) os contratos em discussão não são de execução continuada ou diferida, mas contratos de compra e venda de coisa futura, a preço fixo, (ii) a alta do preço da soja não tornou a prestação de uma das partes excessivamente onerosa, mas apenas reduziu o lucro esperado pelo produtor rural e (iii) a variação cambial que alterou a cotação da soja não configurou um acontecimento extraordinário e imprevisível, porque ambas as partes contratantes conhecem o mercado em que atuam, pois são profissionais do ramo e sabem que tais flutuações são possíveis.
  4. Recurso especial conhecido e provido.

(STJ – REsp: 936741 GO 2007/0065852-6, Relator: Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA)

Assim, o dirigismo contratual no âmbito empresarial é uma característica que deve ser mitigada, a fim de proporcionar maiores estabilidades e garantias econômicas.

A estabilidade econômica e política, junto com a presença de garantias e segurança jurídica, favorecem tanto o aumento do volume e do valor das transações econômicas quanto a atração de novos investimentos. Isso resulta no crescimento da economia de um país e no bem-estar de sua população. Desse modo, o Poder Judiciário, ao assegurar o cumprimento da lei e das obrigações e contratos estabelecidos de boa-fé, contribuiria significativamente para alcançar esses objetivos.

Portanto, mesmo estando na mesma base obrigacional disposta no Código Civil de 2002, os contratos empresariais devem ser tratados de forma isolada, não carecendo de intervenções, a não ser em casos excepcionais, preservando, assim, pelo desenvolvimento da atividade econômica empresarial.

Gustavo Araújo

. Gerente de Presidência – Exlege Junior
. Coordenador Acadêmico da OAB-GO
. Membro Auxiliar LAAD( Liga acadêmica de acessibilidade ao direito)
. Graduando em Direito na UFG-GO

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