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O Expert: Até os combustíveis imploram pela Reforma Administrativa

(Foto: Custódio Coimbra/Agência O Globo).

Murilo Résio de Castro

Executivo e Advogado.


O bom de ser brasileiro é que nascemos com o poder de viramos expert, em qualquer assunto, da noite para o dia. Claro, sempre com um pouco de humor.

Acompanhando os embates públicos entre representantes da União, dos Estados e da Petrobrás, não necessariamente nesta (des)ordem, resolvemos dar vida ao nosso Expert para, dentro das quatro linhas, tentar desvendar a causa-raiz do aumento dos preços dos combustíveis e, verificar se a medida adotada de “congelamento do ICMS” para os próximos 90 dias resolverá o problema.

Começando a análise pela evolução dos preços do barril de petróleo mundial, podemos verificar um salto acentuado. De US$ 21.04 em abril de 2020, para US$ 72.80 em setembro de 2021. Um aumento de 246% no preço praticado em apenas 5 meses.

Gráfico 1:

Fonte: Index Mundi

Inobstante este pico de aumento, podemos constatar que os valores praticados hoje (US$ 72.80 em set/21) estão no mesmo patamar dos praticados em agosto de 2006 (US$ 71.81), e ainda muito menor do que o maior valor histórico ocorrido em jul/2008 (US$ 132.83).

Daí surge uma primeira dúvida. Se os preços do barril de petróleo estão no mesmo patamar de 2006, por que este aumento pontual gerou uma pressão insustentável para reajustar os preços dos combustíveis?

A explicação está na atual taxa de câmbio. Em 31.08.2006, 1.00 dólar equivalia a R$ 2,13. Já em 30.09.2021, 1.00 dólar equivalia a R$ 5,43. Um aumento de 154%.

Gráfico 2:

Fonte: Gráfico elaborado pelo autor com base nos dados colhidos no IPEA DATA.

Quando analisamos os preços praticados nos meses de outubro dos anos de 2011 a 2020, constatamos o preço médio de 71.98 dólares do barril de petróleo. Isto nos sugere que o preço de 72.80 de dólares, em setembro de 2021, está coerente com o novo patamar de preços do barril de petróleo mundial.

Gráfico 3:

Fonte: Index Mundi.

Sabemos que a formação dos preços do barril de petróleo extrapola o campo da lei da oferta e procura, adentrando-se nos interesses de disputa geopolítica e outras variáveis econômicas e de controle de estoque. O famoso “cartel das sete irmãs”, a criação da OPEP e os diversos conflitos no Oriente Médio estão aí para a comprovação desta interferência nos preços.

Por esta razão, não é possível descartar que no futuro próximo haja alguma variável que faça os preços do barril de petróleo reduzirem no curto prazo, contudo, pelas informações e gráficos acima mencionados, há fundamentos razoáveis para acreditar que, mesmo não sendo economista, o preço atualmente praticado, manter-se-á neste patamar médio.

Considerando a elevada taxa de câmbio na relação dólar/Real, não havendo previsão de tendência de redução dos preços praticados do barril de petróleo e, sabedor que o Brasil tem reservas de petróleo que lhe garanta autossuficiência, e que tem capacidade instalada ociosa de refino do petróleo e produção de combustíveis, nossa conclusão natural é: parar imediatamente de importar petróleo e utilizar o petróleo nacional para o refino e produção de combustível.

O gráfico abaixo sugere que a Petrobrás seguiu neste caminho. Se não zerou a importação de petróleo, alegando a necessidade de blend por questões de qualidade do combustível, é visível que reduziu significativamente a utilização de carga importada e aumentou a carga nacional de petróleo.

Gráfico 4:

Fonte: ANP.

Outro ponto que merece atenção ao analisar o gráfico 4 acima, é a participação predominante do petróleo nacional na produção dos combustíveis. Este fato demonstra a importância de acompanhar o indicador de custo exploratório, pois, ainda que haja uma redução nos preços do barril de petróleo no mundo, não necessariamente haverá reduções significativas do preço dos combustíveis aqui no Brasil.

Isto porque, precisaremos calcular as variáveis do custo exploratório e o preço da importação do petróleo, dentro desta matriz na produção dos combustíveis aqui no Brasil.

Vejamos, ainda, que em 2021 a Petrobrás reduziu o seu custo exploratório do petróleo (tabela 1 abaixo). A redução da carga processada importada, o aumento da carga nacional e a redução do custo exploratório, ajudaram os resultados da Petrobrás melhorarem significativamente (gráfico 5 abaixo).

Tabela 1:

Fonte: Mziq.

Gráfico 5:

Fonte: Papo de Buteco.

Entretanto, todas estas medidas não foram capazes de impedir os sucessivos reajustes nos preços dos combustíveis. Nesta semana, chegamos ao histórico de 5 semanas consecutivas de aumentos no preço da gasolina.

Como medida de proteção, aos ataques que vem sofrendo de visar somente o lucro em momento de forte crise, a Petrobrás, alegando o objetivo de dar maior transparência, publicou o gráfico abaixo e o veiculou na grande mídia televisiva, ressaltando que sua parcela de reponsabilidade no preço da gasolina é de “apenas” R$ 2,33.

Gráfico 6:

Fonte: Preços de Venda de Combustíveis | Petrobras

Já os Governadores dos Estados, reagiram aos ataques informando que nenhum Estado aumentou a alíquota do ICMS neste período.

Sustentaram que o problema está nos sucessivos aumentos dos preços pela Petrobrás e pela desvalorização do Real frente ao dólar.

De qualquer forma, alegando estarem “sensíveis” a situação do país e, no espírito colaborativo para atenuar os impactos da subida dos preços dos combustíveis, os Governadores resolveram “congelar” o ICMS pelos próximos 90 dias, através da celebração do Convênio ICMS nº 192/2021.

Para entender o que significa este “congelamento”, primeiro vamos entender como é calculado o ICMS sobre a gasolina.

O ICMS incidente sobre os combustíveis é tributado no regime da Substituição Tributária (“ICMS-ST”), onde a refinaria já antecipa a cobrança do imposto devido pela cadeia até o consumidor final, cuja regra norteadora a ser seguida pelos Estados está disciplinada no Convênio ICMS nº 110/2007.

A base de cálculo do ICMS-ST é o preço máximo ou único de venda a consumidor fixado por autoridade competente (cláusula sétima).

Na falta deste preço, é adotada uma Margem de Valor Agregada (“MVA”) – (cláusula oitava). Os Estados podem, em substituição ao percentual de MVA, obter a base de cálculo aplicando a fórmula abaixo:

MVA = {[PMPF x (1-ALIQ)] / [(VFI+FSE) x (1-IM)] / FCV-1} x 100

PMPF = Preço Médio Ponderado a Consumidor Final definido em Ato COTEPE.

ALIQ = Alíquota efetiva aplicada na operação

VFI = Valor da aquisição pelo sujeito passivo por ST, sem ICMS

FSE = Valor constituído pela soma do frete sem ICMS, seguro, tributos, exceto o ICMS relativo à operação própria, contribuições e demais encargos transferíveis ou cobrados do destinatário.

IM = Índice de mistura do EAC na gasolina C, ou de mistura do B100 no óleo diesel B, salvo quanto tratar de outro combustível, hipótese em que assumirá o valor zero.

FCV = Fator de Correção do Volume. Divulgado em Ato COTEPE.

Assim, o preço que será utilizado como base de cálculo do ICMS a ser recolhido aos cofres públicos estaduais é aquele fixado por cada Estado tributante, e não o valor real e efetivo aplicado na bomba dos postos.

Portanto, o “congelamento” do ICMS sobre os combustíveis se dá pelo fato de os Estados acertarem entre si, que não vão alterar os preços fixados, por eles próprios, no período que compreende entre 1º de novembro de 2021 a 31 de janeiro de 2022.

As alíquotas efetivas do ICMS-ST podem variar entre 25% e 34%. Veja que se trata de uma carga tributária altíssima, especialmente se considerarmos que os Estados utilizam uma carga de 18%, de uma forma geral, para os demais produtos.

Gráfico 7:

Fonte: Valor Econômico.

Por este motivo, os preços dos combustíveis têm oscilações significativas, conforme o Estado consumidor. Veja o gráfico apresentado pela Petrobrás abaixo que demonstra bem as diferenças de preços por Estado:

Gráfico 8:

Fonte: Preços de Venda de Combustíveis | Petrobras

Como exposto por diversos Governadores durante as trocas de ataques sobre quem é o culpado pelos altos preços dos combustíveis, o ICMS arrecadado com os combustíveis é a principal fonte de receita da grande maioria dos Municípios e do próprio Estado.

Com as despesas públicas dos Estados aumentando descontroladamente e, a existência de Municípios, que não possuem fontes de receitas sustentáveis para fazer frente aos seus gastos mínimos obrigatórios por lei, qualquer alteração na sistemática de arrecadação do ICMS será muito traumática.

Partindo da premissa que os preços atuais dos combustíveis também são insustentáveis para a retomada da economia, bem como o congelamento do ICMS apenas posterga o enfrentamento do problema, parece-nos não haver outra alternativa, senão ajustar a sistemática de arrecadação do ICMS sobre os combustíveis.

Sendo a arrecadação do ICMS sobre os combustíveis a principal receita dos Estados e, considerando a total dependência da receita do ICMS para a sobrevida de diversos Municípios, parece-nos lógica a conclusão de que, até para a resolução do problema dos altos preços dos combustíveis, passa-se, necessariamente, pela Reforma Administrativa, com enxugamento dos gastos públicos e a redução da quantidade de Municípios que não têm como se sustentarem.

Outro ponto que precisa entrar na discussão desta ciência de ajustes e repartição, é o custo com a participação governamental na exploração do petróleo, como medida resolutiva do problema dos altos preço dos combustíveis.

Esta participação governamental se trata de repasses realizados pelo explorador do petróleo a entes governamentais, criada pela Lei nº 9.478/97, a título de “participação especial”, “royalties”, “taxa de retenção de área”, e até “bônus de assinatura de contratos”.

Veja que a Petrobrás arrecadou R$ 128,7 bilhões em 2020 e R$ 246 bilhões em 2019 para os entes governamentais, considerando os tributos próprios, os tributos retidos de terceiros e as participações governamentais.

Gráfico 9:

Fonte: Mziq.

Portanto, existem múltiplas causas-raízes e múltiplos agentes responsáveis pelos preços exorbitantes dos combustíveis.

Não adianta proceder pequenos remendos e gerar novas aberrações jurídicas-tributárias.

Aliás, nosso sistema tributário é complexo e promove perda competitiva, justamente pelo fato de não enfrentarmos o problema real do descontrole dos gastos públicos e, a todo momento, criarmos figuras sui generis tributárias para tapar algum buraco exposto.

Essa estrada não suporta mais remendos, precisa de um asfalto novo!

E o começo está na Reforma Administrativa para, na sequência, realizar uma Reforma Tributária. Aqui, a ordem dos fatores altera completamente o resultado.

Até os combustíveis imploram pela Reforma Administrativa.

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