Por Dênerson Rosa
Uns dias atrás, estávamos muito ocupados (eu e a minha filhota mais nova) assistindo Hotel Transilvânia (pela enésima quarta vez), quando ela me pediu para pausar o filme para fazer pipoca.
Minutos depois, retorno eu com o balde repleto de pipoca. Missão dada, missão cumprida. Mesmo no sofá da sala, filme e pipoca têm mesmo tudo a ver.
De repente, a filhota se levanta, pega o saleiro, e começa a tacar um monte de sal na pipoca. Eu falei que não precisava, pois a pipoca já estava salgada. Mas ela reclama estar sem sal. Decido provar e, ela tinha razão: Sem sal.
Mas, como poderia ser? Eu havia seguido a receita de sempre: A cada 100 g de Pipoca, 6 g de Manteiga e 2 g de Sal. Comecei a colocar mais sal, mas parecia que não resolvia. De repente, me ocorreu provar o sal e descobri que alguém (eu?) havia colocado açúcar no saleiro.
Em minha defesa: Tinha cor de sal, aparência de sal, textura de sal. Além de tudo, estava dentro saleiro. Qualquer um poderia imaginar que era sal.
Esse é o problema das percepções, mesmo que sejam distantes da realidade, permitem que criemos convicções. E quando estamos convictos, temos disposição para ir muito longe (ainda que na direção errada).
Recentemente, ouvi nosso ilustre ministro da Fazenda comemorando a elevação da nota de crédito do Brasil pela agência Moody’s (de Ba2 para Ba1), e que estaríamos agora a um passo de receber grau de investimento da agência Moody’s.
E nosso Ministro apontou 3 fatores que, na sua ótica, tinham sido os decisórios para esta elevação da nota de crédito. (a) Desemprego em queda (6,8% em outubro/24); (b) Crescimento do PIB (projeção de 3,08% para 2024) e (c) Inflação sob “controle” (previsão de fechamento do ano em 4,43%).
Olhando apenas tais números, a conclusão do Ministro parece correta. Mas o meu açúcar também parecia sal. Mas, onde está o fato, a verdade?
DESEMPREGO
Nos últimos anos, o desemprego caiu, mas a quantidade de pessoas ocupadas não cresceu na mesma proporção. Esse é o problema do conceito de desemprego, que indica apenas a quantidade de pessoa em busca de um posto de trabalho. Se alguém desiste de procurar emprego, independente do motivo, deixa de ser considerado como desempregado.
Todavia, há um dado que precisa ser analisado em conjunto: Neste mesmo período em que houve redução substancial no desemprego, cresceu exponencialmente a quantidade de brasileiros atendidos por programas sociais. Isso parece inconsistente, ao menos em tese. Havendo menos desempregados, deveria haver redução na quantidade de pessoas atendida por programas sociais. Exceto se a queda acentuada do desemprego seja exatamente porque há pessoas que deixaram de buscar emprego por estarem recebendo auxílio do governo.
CRESCIMENTO ECONÔMICO
Quanto ao crescimento econômico do PIB brasileiro em 2023 e 2024, este dado precisa ser analisado em conjunto com o déficit fiscal do governo federal: Em 2023, o déficit fiscal foi de 2,3% do PIB. Em 2024, previsão que alcance 1,2% do PIB.
O Ministro da Fazenda até parece muito empenhado em reduzir esse número, mas de uma forma bem diferente, que não envolve redução de despesas. O jeito Haddad de reduzir déficit fiscal tem sido falar que certas despesas não contam. Ou sejam, elas existem, estão sendo pagas, o dinheiro está sendo gasto, mas a gente faz de conta que não existem, pois receberam nome novo, e não podem mais ser chamadas de despesas.
Existe até um nome carinhoso para essa prática: Contabilidade Criativa.
No governo Dilma, essa tal de Contabilidade Criativa deu ruim. Recebeu o apelido de pedaladas fiscais e, no final, deu impeachment. Mas parece que o PT aprendeu a lidar melhor com isso. Hoje é feito com aval do Congresso. O governo envia primeiro um projeto de lei, e a pedalada só acontece quando a lei é aprovada. Daí, pelas regras, deixa de ser pedalada, pois foi autorizado pelo Congresso Nacional.
O governo, para gastar mais do que arrecadou, naturalmente está se endividando. Mas, a história já nos mostrou que a fatura costuma chegar grande e bem rápido. Dilma foi eleita em 2010 no embalo de um crescimento induzido por déficit fiscal. Em 2016, a fatura chegou e o Brasil entrou na maior recessão da sua história.
Como a história nos ensina, esta gastança do governo até induz crescimento momentâneo, mas é como um voo de galinha, não se sustenta por muito tempo.
INFLAÇÃO
Sobre este assunto, nem precisamos falar muito: A inflação só está sob controle porque o Banco Central vem mantendo a taxa de juros nas alturas. E a taxa de juros está nas alturas porque o governo vem gastando como quem ganhou na mega sena.
O problema da taxa de juros elevada é que ela é muito prejudicial para o Brasil que produz, para os negócios, tornando o crédito muito caro, restringindo consumo, além sangrar os cofres do governo, que tem que pagar muito mais juros para rolar as dívidas que tem (e as novas dívidas que vem fazendo).
Ou seja, a inflação em queda está longe de ser mérito do governo, e muito longe de ser um indicador de saúde da economia. A inflação em queda, neste cenário, é igual ao paciente que, bem doente, consegue levantar porque tomou dose cavalar de remédio.
A realidade que o Ministro da Fazenda enxerga é bem diferente da realidade que se apresenta para a maioria das pessoas.
Todos nós, em algum momento, cometemos erros em decorrência de percepções equivocadas. No meu caso, era apenas pipoca. No caso do Ministro da Fazenda, está em jogo o futuro do Brasil.
Depois de algumas voltas e devaneios, finalmente vou chegar ao assunto que seria o tema deste texto: O tal Imposto sobre Grandes Fortunas.
Desde que assumiu, o nosso Ministro da Fazenda tem sido monotemático: Pode até usar palavras diferentes ao longo do tempo, mas o tema é sempre o mesmo: Aumentar tributos sobre quem tem mais patrimônio e renda.
Está tramitando no Congresso um Projeto de Lei que (a) cria o tal Imposto sobre Grande Fortunas; (b) institui tributação sobre a distribuição de dividendos e (c) aumenta a tributação sobre as heranças.
Pessoalmente, acredito que o Ministro seja bem-intencionado. Mas também acredito ele tem uma grande dificuldade em enxergar fatos, quando não se encaixam na sua visão de mundo.
A quantidade de brasileiros que mantém investimentos financeiros no exterior nunca foi tão grande. Mas, ao contrário do que ocorria décadas atrás, a maioria destes investimentos no exterior envolve capital com origem, legítimo, regular e devidamente declarado. Para quem já tem um pé no exterior, é mais fácil levar o outro.
No final, poderemos ter uma redução de desigualdade social da pior forma possível, ficando no Brasil apenas quem não conseguiu comprar a passagem para ir embora. Mas, para quem gosta de enxergar a realidade pela percepção da conveniência, não deixaria de ser redução de desigualdade.
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Dênerson Rosa
Advogado, 28 anos de experiência na área tributária, pós graduado em Direito Tributário e Processo Tributário, ex-auditor fiscal de tributos do Estado de Goiás.
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