Ícone do site STG News

O que espero do próximo presidente

© José Cruz/Agência Brasil

Por Dênerson Rosa

Como eleitor e cidadão, tenho meus anseios. Aqui, porém, falo do que conheço por formação e por mais de três décadas de prática: tributação.

Em matéria tributária e fiscal, o que espero do próximo presidente?

Tributo não é abstração nem castigo. Para quem paga, é ônus real: corrói margem, desestimula a formalização e, em setores intensivos em capital, mata investimento antes de nascer. Para quem recebe – o governo –, é a fonte legítima de financiamento das atividades típicas do Estado, inclusive as sociais. Daí decorre um dever simples e inexorável: buscar equilíbrio. O Estado precisa de recursos; a economia precisa de condições para gerá‑los.

Esse equilíbrio se rompe, sobretudo, pelo gasto desenfreado. Quando a despesa cresce sem lastro, a conta chega de duas formas: imposto hoje ou dívida para cobrar mais imposto amanhã. Dívida pública não é milagre; é imposto diferido, com juros e risco de instabilidade. Em ambos os casos, a sociedade paga – no presente, via carga maior; no futuro, via ajuste para honrar compromissos. Esperar solução fora desse realismo orçamentário é se iludir.

Primeiro — Verdade orçamentária. Orçamento tratado como contrato com a sociedade: metas explícitas, prioridades claras, cronograma e prestação de contas em linguagem acessível. Não basta prometer “fazer mais”; é preciso dizer o que deixará de ser feito, de onde virá o dinheiro e quais resultados se pretende entregar. Transparência disciplina.

Segundo — Âncora fiscal crível. Regras simples, compreensíveis e verificáveis, sem criatividade contábil. Não é fetiche numérico; é ancoragem de expectativas. Quando o investidor confia que o gasto crescerá dentro de parâmetros claros, cai o prêmio de risco, barateia o crédito e o investimento produtivo se torna viável. Arrecadação sustentável começa fora do fisco: na confiança.

Terceiro — Revisão séria de despesas. Avaliação por evidência, com indicadores de impacto e custo‑efetividade. Programas redundantes, fundir; ineficientes, encerrar; renúncias sem contrapartida, reavaliar com cláusulas de sunset. Cada real poupado no desperdício é um real que não precisa ser extraído da base produtiva.

Quarto — Qualidade do gasto social. Não é abandonar proteção; é focalizar e blindar do uso eleitoral. Pobreza se combate com transferência eficiente e porta de saída: educação, qualificação, primeira infância e saúde básica. Um real bem gasto hoje evita dez de remediação amanhã. Isso também é responsabilidade fiscal.

Quinto — Reforma tributária pró‑neutralidade, simplicidade e competitividade. Menos cumulatividade, menos exceções que distorcem decisões e alimentam litigiosidade. Base ampla, regras claras, transição bem desenhada e respeito à capacidade contributiva. A arrecadação não deve punir exportação, investimento e emprego; deve ser previsível, com alíquotas conhecidas e pouca margem para casuísmo.

Sexto — Segurança jurídica. Toda mudança tributária precisa de plano de transição, preservando investimentos em curso, com prazos razoáveis e comunicação prévia. A máquina arrecadatória deve tratar o contribuinte como parceiro em conformidade, não como adversário. Menos contencioso com transação tributária, conformidade cooperativa, jurisprudência estável e integração entre fiscos. Litigiosidade é imposto oculto que drena tempo, capital e energia.

Sétimo — Pacto federativo honesto. Municípios e estados não podem ser meros recolhedores sem autonomia e previsibilidade. É preciso alinhar competências e receitas, reduzir guerra fiscal e evitar sobreposição normativa. Harmonia federativa é condição para que a regra valha na prática, independentemente do CEP.

Oitavo — Tecnologia e simplificação do cumprimento. Quanto mais complexo o sistema, maior o custo de conformidade e a margem para erro. Integração de cadastros, declarações pré‑preenchidas, interface única e serviço que resolva pendências de fato. Cobrar melhor não é cobrar mais; é cobrar com inteligência, previsibilidade e respeito.

Nono — Transparência sobre o custo das escolhas. Nova despesa exige fonte estável de financiamento, estimativa de impacto intertemporal e avaliação independente. A sociedade tem direito de optar conscientemente: paga hoje (imposto) ou transfere para amanhã (dívida que exigirá mais imposto)? Cabe ao presidente formular e sustentar as escolhas, sem prometer o impossível.

Décimo — Agenda de produtividade. Reforma tributária não anda sozinha. Precisa vir com desburocratização, segurança de contratos e infraestrutura. Tributos incidem sobre uma base que reage: investir fica mais provável quando licenças levam dias, não meses; quando energia é competitiva; quando logística não é loteria. Tributo neutro sobre base dinâmica arrecada mais do que tributo distorsivo sobre base estagnada.

Há, ainda, uma dimensão ética. O sistema não pode ser labirinto onde quem conhece a saída paga menos do que quem cumpre a lei de boa‑fé. Isonomia exige que privilégios setoriais tenham justificativa técnica e prazo — o resto é captura. A retórica das “exceções necessárias” costuma ser vetor de injustiça tributária.

Quanto à dívida, cuidado redobrado. Endividamento pode ser instrumento legítimo para investimento de alto retorno social, não para despesa corrente permanente. A regra de ouro é simples: não financiar com dívida o que não gera capacidade futura de pagamento. Ignorado esse princípio, a conta recai sobre quem menos participou da festa: o contribuinte comum, no presente e no futuro.

Na comunicação, prefiro relatórios a slogans. Em vez de “arrecadamos mais”, quero “entregamos tais resultados com tais recursos”. O debate amadurece quando se fala de resultado por real gasto, não de volume arrecadado como símbolo de virtude. O contribuinte não é inimigo do Estado; é seu financiador. Logo, merece respeito, simplicidade e retorno.

Medidas concretas e testáveis para separar retórica de compromisso:

  1. Relatórios trimestrais de desempenho, com metas físicas e financeiras e trilhas de correção para desvios.
  2. Plano plurianual de revisão de gastos, institucionalizando avaliações independentes.
  3. Calendário de simplificação com entregas semestrais, reduzindo obrigações acessórias e consolidando normas.
  4. Transparência ativa: todo projeto novo com estimativa de custo total, fonte de financiamento e cronograma.
  5. Indicadores de litigiosidade e metas de redução, com expansão de transação e conformidade cooperativa.

Princípios para o dia a dia: (i) equilíbrio — gastar bem antes de cobrar mais; (ii) neutralidade — não distorcer decisões de investimento, produção e consumo; (iii) isonomia — iguais tratados igualmente; (iv) previsibilidade — regras estáveis e transições críveis; (v) responsabilidade intergeracional — não transferir a conta de hoje a quem ainda nem nasceu.

Síntese

O que espero do próximo presidente é coragem para dizer não ao populismo fiscal, disciplina para ordenar prioridades e firmeza para executar. Tributos não são um fim: são instrumentos para viabilizar um Estado que funcione. Bom governo é o que cobra o necessário, gasta com qualidade e preserva o horizonte de quem produz. Entre a carga insuportável e o Estado ineficiente, há um caminho de respeito ao contribuinte, transparência nas escolhas e compromisso com o futuro.

Esse caminho começa por admitir algo óbvio e difícil: ninguém tributa o país rumo à prosperidade sem antes construir confiança, gastar melhor e tratar quem produz como aliado. Se o próximo presidente entender isso, a tributação deixará de ser um embate permanente e se tornará o que deve ser: um pacto claro entre Estado e sociedade, com obrigações recíprocas e resultados à altura do sacrifício exigido.

⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀

Dênerson Rosa

Advogado, 28 anos de experiência na área tributária, pós graduado em Direito Tributário e Processo Tributário, ex-auditor fiscal de tributos do Estado de Goiás.

_______

LEITORES ESTRATÉGICOS
Participem do canal STG NEWS – o portal de notícias sobre estratégia, negócios e carreira da Região Centro-Oeste: https://x.gd/O20wi

 

Sair da versão mobile