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Opções para lidar com o endividamento rural

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Por Gustavo Nogueira Filho

O agronegócio brasileiro é um dos principais pilares da economia nacional, responsável por significativa parcela do PIB e por milhões de empregos diretos e indiretos. No entanto, esse setor estratégico também é fortemente exposto a riscos que fogem ao controle do produtor, como oscilações climáticas, aumento de custos, variações cambiais e crises de mercado. Em contextos assim, muitos produtores rurais, embora economicamente viáveis, enfrentam dificuldades temporárias para cumprir suas obrigações financeiras. É justamente para esses casos que o alongamento da dívida rural se mostra um instrumento essencial de reequilíbrio e continuidade da atividade produtiva.

O alongamento da dívida rural não se trata de um favor concedido pelo agente financeiro, mas de um direito assegurado por lei. Sua base jurídica está na Lei nº 4.829/1965, que institui o crédito rural, na Lei nº 9.138/1995, que criou o Programa de Incentivo à Redução do Endividamento Rural, e em diversas resoluções do Conselho Monetário Nacional e do Banco Central do Brasil, como a Resolução CMN nº 4.828/2020.

O Manual de Crédito Rural, especialmente no item 2.6.9, prevê expressamente a possibilidade de prorrogação ou reestruturação das operações quando comprovada a incapacidade de pagamento por fatores alheios à vontade do produtor, como eventos climáticos adversos, queda de preços agrícolas ou atrasos em políticas públicas de fomento. Assim, atendidos os requisitos legais, o produtor rural tem direito subjetivo ao alongamento de sua dívida, e o banco tem o dever de concedê-lo, sob pena de violação à função social do contrato e aos princípios da boa-fé objetiva.

Na prática, o alongamento consiste em uma readequação do fluxo de pagamento, permitindo que o produtor reorganize suas finanças sem perder o acesso ao crédito nem comprometer seu patrimônio. Não se trata de perdão da dívida nem de moratória, mas de ajuste do cronograma de amortizações para refletir a real capacidade de pagamento. Com isso, evita-se a inadimplência e a execução de garantias essenciais, como maquinários e propriedades rurais. Para tanto, o produtor deve comprovar sua incapacidade temporária de pagamento e demonstrar que sua atividade permanece viável.

O pedido deve ser apresentado antes do vencimento do contrato, acompanhado de documentos que comprovem a causa da dificuldade — laudos técnicos, notas fiscais, registros de safra e outros elementos objetivos.

Caso a instituição financeira se recuse injustificadamente a alongar o débito, o produtor pode recorrer ao Judiciário para assegurar o cumprimento de seu direito, inclusive por meio de medidas liminares que suspendam cobranças e execuções.

A jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça tem reafirmado essa compreensão. Em reiteradas decisões, o STJ reconhece que o alongamento da dívida rural, uma vez preenchidos os requisitos legais, é direito subjetivo do devedor, e não mera liberalidade do credor. A negativa injustificada do agente financeiro caracteriza abuso de direito e afronta aos princípios contratuais que regem o crédito rural. O Tribunal de Justiça de Goiás, em harmonia com esse entendimento, também tem deferido tutelas de urgência para suspender execuções enquanto o pedido de alongamento é analisado, especialmente em casos de produtores familiares que dependem integralmente da atividade rural para sua subsistência.

Do ponto de vista econômico, o alongamento é uma medida que beneficia não apenas o produtor, mas todo o sistema. Ao evitar que agricultores sejam levados à insolvência por fatores conjunturais, preserva-se a produtividade, a arrecadação e os empregos. Para as instituições financeiras, trata-se de uma estratégia de mitigação de risco, que reduz a probabilidade de inadimplência total e permite a recuperação gradual do crédito.

E para o Estado, é uma política de estabilização essencial, pois mantém ativa uma das principais engrenagens do desenvolvimento nacional. Em síntese, o alongamento da dívida rural é um mecanismo que equilibra os interesses de todos os envolvidos, garantindo a continuidade da produção e a sustentabilidade do campo.

Nesse contexto, o papel do advogado é fundamental. A análise técnica e jurídica do caso concreto exige conhecimento aprofundado sobre o crédito rural, as normas do Banco Central e o funcionamento das políticas agrícolas.

O profissional pode atuar tanto na esfera administrativa, auxiliando na elaboração de pedidos e na negociação com os bancos, quanto na via judicial, defendendo o direito do produtor diante de recusas indevidas. Mais do que uma atuação contenciosa, a assessoria preventiva e estratégica é capaz de evitar litígios e proporcionar soluções sustentáveis.

O alongamento da dívida rural, portanto, é uma expressão prática da política agrícola prevista no artigo 187 da Constituição Federal, que visa assegurar o fortalecimento da produção rural e o desenvolvimento equilibrado do país.

Ele reflete o compromisso do Estado brasileiro com a função social da propriedade e com a dignidade do produtor, reconhecendo que a atividade agrícola, por sua natureza, está sujeita a riscos que merecem proteção jurídica. Em tempos de instabilidade econômica, compreender e aplicar corretamente esse instrumento é essencial para preservar não apenas a viabilidade financeira do produtor, mas a própria segurança alimentar e o equilíbrio econômico do Brasil.

Gustavo Nogueira Filho

Sócio do BNT Advogados

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