Campo Grande Empresas (MS) – Começa a funcionar hoje (13) o open banking – sistema que permite aos clientes autorizarem o compartilhamento de dados pessoais e financeiros entre instituições bancárias. Assim, o cliente vai permitir que uma instituição financeira acesse as informações de outra com a qual o usuário tem relação estabelecida.
Desde o ano passado, o setor de tecnologia vem ganhando destaque: com a pandemia, a digitalização e a inovação incentivaram muitas contratações. Agora com o Open Banking, a tendência é que o mercado continue aquecido. Porém, o consenso dos recrutadores é de que o setor de tecnologia como um todo vem sofrendo com a escassez de profissionais qualificados.
Para ter uma ideia do boom: em 2020, o número de vagas abertas na área de tecnologia cresceu 310%, de acordo com um estudo da GeekHunter, empresa de recrutamento especializada na contratação de profissionais de tecnologia.
Por outro lado, um estudo da Associação Brasileira das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (Brasscom) mostra que entre 2019 e 2024 o país deve ter déficit de 260 mil profissionais da área de tecnologia por falta de mão de obra qualificada.
“A reclamação é geral. Conheço muita gente (do setor financeiro). Eles me ligam dizendo: ‘Preciso urgente de um cara de segurança cibernética’, por exemplo. Não tem. Não é que não tenha o cara bom. Simplesmente não tem”, afirma Leandro Villain, diretor de inovação, produtos e serviços da Febraban.
Jayme Chataque, superintendente executivo de Tecnologia e Operações do Santander Brasil também observa a dificuldade na contratação na área de tecnologia. “Faltam profissionais no mercado quando pensamos na qualificação de novas ferramentas tecnológicas considerando as inovações recentes e no âmbito do Open Banking”, afirma.
Vilain acredita que o Brasil vai sofrer um apagão tecnológico por falta de formação de mão-de-obra na área, e o problema deve afetar não só os bancos, mas também as fintechs.
“Outro dia estava numa reunião na Febraban, falando de segurança cibernética. Eram representantes de uns dez bancos. Somados ali a gente tinha mais de 200 vagas abertas para segurança cibernética, mas não tem gente. É frustrante: temos as vagas, mas não temos como contratar”, ressalta o executivo da Febraban.
Demanda é alta
No Itaú, por exemplo, a demanda é forte para a contratação de profissionais de tecnologia. Parte dela decorrente do Open Banking, mas envolve outros fatores, como o estudo de tecnologias emergentes que podem ser utilizadas no futuro, segundo Thiago Charnet, diretor de tecnologia do banco.
Só no ano passado, o Itaú contratou mais de 3,7 mil pessoas de tecnologia, sendo quase 300 delas cientistas de dados. Atualmente, são mais de 2 mil vagas em tecnologia, em todos os tipos de senioridade e especialidades.
Thiago Saldanha, CTO da Sinqia (SQIA3), provedora de software para bancos e fintechs, afirma que nos últimos quatro anos o quadro de funcionários da empresa saltou de 200 para 1.300 pessoas.
Paulo Andreolli, head de Open Banking da FCamara, consultoria de soluções em tecnologia, conta que a empresa também está contratando: são mais de 300 vagas para este ano. “No nosso caso estamos com muita dificuldade em encontrar desenvolvedores que já entendam de Open Banking para operar em um formato 360°, ou seja, já desenvolver pensando na segurança, por exemplo”, diz.
Qualificação interna da mão-de-obra
Diante da carência de profissionais no mercado, uma alternativa vem sendo praticada: qualificar a mão-de-obra própria. O Itaú tem investido em treinamentos e cursos dentro da área para capacitar as equipes que já trabalham diretamente com áreas correlacionadas, explica o executivo do Itaú.
Cristina Pinna, superintendente executiva do Bradesco, afirma que devido à escassez de profissionais, o banco está trabalhando o upskilling das competências que vê necessidade em todos os times e se necessário faz a migração de área do profissional.
“E estamos trabalhando também com empresas de tecnologia parceiras que nos ajudam a complementar o ecossistema e entregar com a velocidade demandada a estrutura”, explica Cristina.
A situação não é diferente em outras instituições. Para suprir toda a demanda, a área de TI está movimentada do Santander está movimentada, segundo Chataque. “Foco total na capacitação dos profissionais para conseguirmos subir ainda mais a barra de qualidade já aqui dentro”, diz.
Saldanha conta que mesmo com o ritmo forte de contratação, a Sinqia também tem um programa de capacitação interno.
“O objetivo é manter nossos funcionários atualizados e capacitados, com trilhas de aprendizado em negócios e tecnologia. Temos parcerias com empresas que fornecem cursos e treinamentos também. Não podemos ficar sem mão-de-obra”, complementa.
No Banco do Brasil, por ser uma sociedade de economia mista controlada pelo governo federal, as contratações só acontecem por meio de concursos públicos. Inclusive, o banco abriu um novo concurso no início de julho e será o maior processo seletivo na história do país, segundo a Fundação Cesgranrio, que organiza o concurso.
“O cenário é: mercado super aquecido, e nossas janelas de entradas de novos profissionais são específicas. Precisamos formar as pessoas dentro de casa. Cerca de 30 mil funcionários já fizeram o curso sobre Open Banking, não só na área de tecnologia”, explica Karen Machado, gerente executiva de Open Banking no Banco do Brasil.
Esses profissionais formados no curso são redirecionados para diferentes áreas a depender da necessidade.
Concorrência forte
A qualificação interna também é uma alternativa diante da concorrência: são muitas empresas disputando um pool considerado pequeno de profissionais de tecnologia no país. “O real desvalorizado atrapalha. É um novo 7×1”, afirma Rafael Pereira, co-fundador da Open, fintech de concessão de crédito.
De fato, com a forte demanda e pouca oferta, salários sobem e não são apenas as empresas no Brasil que estão de olho nesses profissionais – o que complica ainda mais o recrutamento, segundo Andreolli, da FCamara.
“Tivemos casos de profissionais recusando nossas propostas porque empresas dos EUA e Europa os chamaram. Pagando em dólar e euro a oferta fica atrativa para o funcionário e fica difícil competir”, afirma.
Ele conta que em alguns casos esses profissionais nem precisavam ter o inglês ou outro idioma. “Eles foram contratados para executar a parte técnica e tinha uma pessoa que intermediava a comunicação entre o desenvolvedor e a liderança”, afirma.
Esse tipo de situação foi reforçada pela própria pandemia, já que os profissionais de tecnologia entre muitas outras profissões conseguiram encontrar ainda mais oportunidades no exterior devido à imposição das restrições de fronteiras e ascensão do home office.
“Você pode prestar serviços para a Alemanha, EUA, Inglaterra, e continuar próximo da sua família, dos seus amigos. Com isso já estamos vivendo essa ‘evasão’ de profissionais”, afirma Rogério Melfi, líder do grupo de trabalho de Open Banking na ABFintechs.
Porém, ele pondera que a contratação não é sinônimo apenas de salário. “Tem o propósito, a cultura, o que ela quer construir. Isso é importante e ajuda na retenção, pelo menos no caso das fintechs”, diz.
Na Cora, fintech de crédito para empresas, essa estratégia vem dando certo. “Temos um foco no nosso propósito de liberar donos e donas de pequenos negócios para fazer a diferença e isso tem nos ajudado a atrair pessoas que pensam parecido, o que ajuda a construir um ótimo clima organizacional”, afirma Igor Senra, CEO da empresa.