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Otimismo e cautela marcam desenvolvimento do Nexus, o Pix global

Rawpixel

Campo Grande Empresas (MS) – Um sistema que permita pagamentos entre países e diferentes moedas em até 60 segundos é a essência do Nexus, projeto em estudo pelo centro de inovação do “banco central dos bancos centrais” desde 2021. Mas até o “Pix global” se tornar realidade, há um longo caminho e uma série de desafios a serem superados.

Quem coloca o pé no freio é Andrew McCormack, chefe do centro de inovação do BIS (Banco de Compensações Internacionais) em Singapura, que está “cautelosamente otimista” de que o Nexus pode ter “potencial para causar impacto no mundo real”.

“Não esperamos que isso aconteça do dia para a noite, mas achamos que é possível, com tempo e investimento”, disse McCormack em entrevista à Folha de S.Paulo.

“Não seria apenas dar a partida e, no dia seguinte, ter 20 países conectados. Provavelmente levaríamos um tempo para introduzir o serviço em dois países e depois adicionar um terceiro, um quarto. Quem sabe, depois de cinco anos, haveria um número suficiente de países para tornar essa rede significativamente atraente”, acrescentou.

A concepção do Nexus parte da premissa de conectar em uma única plataforma transnacional sistemas de pagamentos instantâneos que já estão em operação em todo o mundo. Hoje, são cerca de 60 países, entre eles o Brasil com o Pix.

Atualmente, o projeto encontra-se na fase de prova de conceito para aprimoramento do modelo -etapa que deve durar até o fim de dezembro.

No processo, o centro de inovação do BIS trabalha em conjunto com o BCE (Banco Central Europeu), com os bancos centrais da Itália e da Malásia, com o operador do sistema de pagamentos malaio PayNet, com a Autoridade Monetária de Singapura e o operador de sistema de pagamentos da cidade-estado asiática BCS Nets.

Nesta fase, um protótipo conectando os sistemas de pagamentos de Singapura, da Malásia e da zona do euro está sendo desenvolvido em um ambiente de teste para descobrir complexidades técnicas que ainda não foram detectadas na teoria.

“Estamos conectando não apenas os sistemas de pagamentos rápidos, mas também os serviços de proxy [pontes entre os usuários e a internet] que permitem que telefones celulares sejam usados como destinatário”, detalhou McCormack.

Segundo o diretor, as barreiras tecnológicas compõem o pacote de questões a serem estudadas. Ele destaca que a maioria dos sistemas domésticos foi construída com base em moeda única e usa diferentes formatos de mensagens, travando a comunicação no caso de transações envolvendo mais de um país.

“O desafio que o Nexus assumiu é tentar encontrar um denominador comum, como podemos superar esses obstáculos técnicos para encontrar uma forma que imponha o mínimo de mudanças possíveis para o operador de sistema de pagamento, para os bancos e para os participantes”, disse.

O modelo conta com dois pilares estruturais: o Nexus Gateway (Portal Nexus) e o Nexus Scheme (Esquema Nexus).

O primeiro corresponde ao componente de software que coordena processos como conversão cambial, tradução de mensagens e sequenciamento de pagamentos entre os participantes de todo o mundo a partir de um conjunto comum de normas técnicas e diretrizes operacionais. São essas regras básicas, estabelecidas pelo segundo pilar, que permitem a comunicação entre os sistemas.

McCormack também cita questões econômicas, políticas e legais entre os desafios. Como exemplo, diz que existem diferenças em como as jurisdições tratam casos de privacidade de dados e também nos mecanismos em torno das transações de câmbio.

Para David Chance, vice-presidente de Estratégia e Inovação da Fiserv -empresa provedora de soluções de tecnologia de serviços financeiros e de pagamentos-, a disponibilidade das redes de pagamento precisa ser um requisito fundamental. “Estes sistemas devem estar sempre disponíveis, sem tempo de inatividade”, disse.

O especialista também vê a gestão de risco como um dos maiores desafios associados às transações em tempo real entre países.

“O pagamento instantâneo doméstico geralmente se apoia em um estabelecimento de dinheiro pré-estocado para reduzir a exposição aos riscos. Esta não é uma prática aplicada nos pagamentos transfronteiriços por conta dos requerimentos das moedas estrangeiras e seus câmbios”, disse.

Segundo Chance, pagamentos internacionais instantâneos, sem recursos robustos de liquidação, podem aumentar o risco no sistema financeiro global.

O limite do valor das transferências realizadas por meio do Nexus será estabelecido pelo operador do sistema de pagamento de cada país. De acordo com McCormack, o montante poderá ser mais baixo no início das operações, enquanto operadores, bancos e usuários ainda adquirem experiência e confiança no sistema.

“Esperamos que, com o tempo, esses limites também possam aumentar, então, o sistema pode ser potencialmente atraente para clientes de pequenas empresas”, afirmou.

O “Pix global” não será necessariamente gratuito para os usuários, a decisão de repassar (ou não) o custo aos clientes caberá a cada banco participante do sistema transnacional.

O chefe do centro de inovação do BIS pondera que muitas instituições incluem nas transações de câmbio suas margens de lucro e que possuem custos que precisam ser recuperados de alguma forma. Assim, optou por tornar o Nexus “o mais flexível possível”.

“Esperamos que ter um mercado de câmbio mais competitivo ao longo do tempo seja algo que possa reduzir ainda mais os custos dos pagamentos transfronteiriços”, disse.

Segundo McCormack, a equipe de desenvolvimento tenta aproximar o Nexus ao máximo da experiência de pagamento doméstico, sem perder de vista a complexidade envolvendo operações financeiras internacionais.

Se a prova de conceito for bem-sucedida, o próximo passo será um projeto-piloto, que pode ter início em 2023. Apesar da “esperança e expectativa”, o líder do hub em Singapura mostra cautela. “Ainda estamos saindo do segundo ano da fase de prova de conceito, certamente um piloto é uma aspiração, mas não garantido neste momento”, ponderou.

Nos bastidores, os desenvolvedores do Nexus analisam questões sobre estrutura e regras, pagamentos de governos, arquitetura de negócios e modelo comercial.

“Se o modelo for viável do ponto de vista técnico e desejável do ponto de vista da política pública, a última peça será em torno do modelo comercial e de negócios, que está um pouco fora do escopo da prova de conceito”, afirmou McCormack.

Chance, da Fiserv, diz que o Nexus, como modelo, é uma boa estrutura, mas que a grande questão está relacionada à sua viabilidade comercial. “A interoperabilidade entre as redes domésticas de pagamento instantâneo ocorrerá devido aos benefícios e potencial de redução de custos, mas apenas nos eixos comercialmente viáveis”, disse.

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