Rondonópolis Empresas (MT) – A certificação orgânica da produção da agricultura familiar é capaz de garantir fonte de renda segura e qualidade de vida às famílias rurais e ao mesmo tempo colaborar para a manutenção da floresta em pé.
Tornar a região norte e noroeste de Mato Grosso, área sob intensa pressão de degradação ambiental, referência no modelo de produção sustentável é o objetivo do recém-implementado projeto “Agroecologia em Rede: Conectando elos para a transição orgânica da produção familiar amazônica”.
A iniciativa do Instituto Centro de Vida (ICV) é financiada pelo Programa Global REDD Early Movers (REM) e irá apoiar pelo período de dois anos a Rede de Produção Orgânica da Amazônia Mato-grossense (REPOAMA).
A rede foi formalizada em 2019 e é composta por famílias de 13 organizações comunitárias de Cotriguaçu, Nova Bandeirantes, Nova Monte Verde, Paranaíta e Alta Floresta.
O projeto irá viabilizar recursos para investimento na conversão para sistemas orgânicos de produção, melhorias nos sistemas orgânicos existentes e para fomentar a comercialização em rede nos principais mercados regionais.
As atividades incluem suporte na elaboração de planos de manejo orgânico, assessoria técnica nas propriedades, assessoria administrativa, capacitações, divulgação e articulação com parceiros para viabilidade econômica das atividades.
“Isso tudo é um sonho que temos. A parceria é a oportunidade de torná-lo realidade. Sem esses incentivos não conseguiríamos, porque são muitos custos”, avalia Marcelly Federici, agricultora e presidente da REPOAMA.
O projeto REM é executado em parceria com o Governo do Estado de Mato Grosso, Banco de Desenvolvimento (KfW) da Alemanha e a Secretaria de Negócios, Energia e Estratégia Industrial (BEIS) do Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte.
A verba é gerenciada pelo Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (Funbio).
Fundo rotativo solidário
Uma das principais iniciativas previstas pelo projeto é a elaboração de um fundo rotativo solidário.
“A ideia foi aproveitar parte do recurso para, em vez de fazer investimento direto nas propriedades, criar um mecanismo para que parte do recurso ficasse para a rede de forma definitiva”, conta Eduardo Darvin, coordenador do Programa de Negócios Sociais do ICV.
O instrumento é uma poupança comunitária de cerca de R$300 mil com gestão integral pela rede.
Inicialmente, os recursos irão viabilizar as unidades em conversão orgânica e fortalecer as práticas de produção orgânica, cuja legislação brasileira prevê uma série de exigências: desuso de insumos químicos agrícolas e agrotóxicos, respeito às leis ambientais, manejo de resíduos sólidos e líquidos, e armazenamento adequado de produtos.
No futuro, entretanto, o fundo poderá servir a diferentes usos das famílias. É o que explica Eduardo. “É uma verba gerenciada pela própria rede, que determina as regras de uso e com isso funcionando pode apoiar em diversos outros aspectos em prol da qualidade de vida das famílias.”
O financiamento é baseado na economia solidária, conceito que abrange valores humanos e ambientais ancorados no fortalecimento comunitário.
A principal diferença do modelo frente à obtenção de microcrédito em uma agência bancária convencional, por exemplo, é a capacidade da rede estabelecer as próprias normas e regras como tempo de carência, valores limites para financiamento, taxa de juros e prazos de pagamento.
Em casos de inadimplência, também é possível analisar caso a caso para determinar medidas de apoio às famílias e, em último caso, alguma sanção.
Em dezembro, a diretoria da organização participou de uma oficina sobre fundos rotativos solidários e, nos próximos meses, os participantes irão se articular para a formação de um regimento e comitê gestor responsável por administrar o fundo.
A formação de uma poupança comunitária e autofinanciamento é um direito reconhecido pelo Programa Nacional de Direitos Humanos do Ministério da Justiça.
REPOAMA e responsabilidade social
O mecanismo, explica Eduardo, carrega semelhanças com a modalidade de Sistema Participativo de Garantia, uma das três previstas pela legislação brasileira para obtenção do selo de orgânico e que tem como base a responsabilidade social.
Na modalidade, as próprias famílias, divididas em núcleos regionais, estabelecem normas de controle e realizam a verificação dos sistemas de produção orgânico em fases.
Atualmente a REPOAMA aguarda auditoria do Ministério da Agricultura, Pecuária, Abastecimento (MAPA) para obter o credenciamento da SPG como Organismo Participativo de Avaliação da Conformidade Orgânica (OPAC).
São as OPACs que avaliam, verificam e atestam que produtos ou estabelecimentos produtores atendam às exigências previstas na lei de produção orgânica do Brasil e o status garantirá à rede o direito de certificar os produtores da própria rede, garantindo a qualidade e viabilizando a comercialização como produto orgânico.
A REPOAMA contabiliza 53 unidades de produção com sistema orgânico consolidado, implementado com apoio técnico do ICV através do Redes Socioprodutivas, projeto financiado pelo Fundo Amazônia/BNDES com objetivo de fortalecer as cadeias produtivas da região.
A agricultora Marcelly chegou a ir para a cidade de Sinop em busca de melhor qualidade de vida, mas foi na produção orgânica de volta ao sítio na área rural de Alta Floresta que encontrou o que procurava.
Hoje, acredita que a certificação orgânica é um caminho para a permanência no campo.
“É melhor tanto para a alimentação da gente como para a dos outros. É um diferencial. Os nossos clientes sentem a diferença no sabor, eles deixam de comprar convencional e compram o nosso orgânico. A gente não vende um produto, na verdade a gente vende alimento”, afirma.
Pandemia
Neste contexto de pandemia causada pelo advento do novo coronavírus, aponta Eduardo, o trabalho de fortalecimento da produção orgânica na região ganhou uma importância extra.
“A pandemia tem atraído a consciência da população para a relação entre nutrição e saúde, o que resultou em um aumento crescente da procura por produtos funcionais e saudáveis. Isso refletiu diretamente em um grande aumento na demanda e consumo de alimentos orgânicos no Brasil e no mundo”, comenta.
O início do projeto marcou retorno das atividades da rede, paralisadas como medida de precaução contra a disseminação do vírus.
No dia 18 de novembro, o projeto do REM/MT foi apresentado para a diretoria da REPOAMA em um encontro para planejamento da implementação do projeto, que foi construído em conjunto com a organização.
As atividades dos próximos meses foram readaptadas para cumprimento das medidas de segurança contra a disseminação do vírus, cujos impactos também foram relatados pelos agricultores no encontro.
A venda da produção para as escolas por meio do Programa Nacional de Abastecimento das Escolas (PNAE), por exemplo, é uma das principais fontes de renda das famílias e foi interrompida desde abril.
Além disso, o acesso precário à internet e a outros meios de comunicação fizeram com que a a assessoria técnica prestada pelo ICV, que passou a ser realizada à distância, impactasse a frequência e atenção nos atendimentos.
Atualmente, os técnicos realizam visitas presenciais apenas em casos cujas soluções não foram encontradas remotamente e seguindo um protocolo contra a disseminação do vírus.