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Quando tributar mais vira arrecadar menos

© Divulgação/Banco Mundial/ONU

Por Dênerson Rosa

A política de altos impostos sobre o cigarro no Brasil, embora bem-intencionada, tem gerado efeitos colaterais indesejados. Com o objetivo de reduzir o consumo e arrecadar recursos, o governo impôs uma carga tributária significativa sobre os produtos de tabaco. No entanto, essa estratégia tem alimentado um mercado ilegal robusto, comprometendo tanto a saúde pública quanto a economia nacional.​

Atualmente, cerca de 49% dos cigarros consumidos no Brasil são provenientes do mercado ilegal. Esses produtos, além de não recolherem impostos, têm origem e composição desconhecidas, representando riscos ainda maiores à saúde dos consumidores.​

O Paraguai desempenha um papel central nesse cenário. Com uma produção anual de aproximadamente 65 bilhões de cigarros e um consumo interno de apenas 2,7 bilhões, o excedente alimenta o contrabando para países vizinhos, especialmente o Brasil. A diferença tributária entre os países torna o contrabando uma atividade lucrativa para os criminosos.​

A evasão fiscal resultante do mercado ilegal de cigarros é significativa. Estima-se que o crime organizado fature R$ 8 bilhões anualmente com a venda de cigarros ilegais, causando uma perda de R$ 10,4 bilhões em impostos não arrecadados. Esses recursos poderiam ser investidos em áreas essenciais como saúde, educação e segurança.​

Se quase metade do mercado de cigarros opera na ilegalidade, é sinal de que há algo estruturalmente errado com o modelo de tributação. A elevada carga tributária não apenas desestimula a formalidade, como empurra o consumidor para um produto muitas vezes mais barato e amplamente acessível, mesmo que ilícito e danoso à saude.​

Com uma tributação mais racional, o mercado legal poderia absorver boa parte da demanda hoje atendida por produtos clandestinos, o que manteria a arrecadação — ou até a aumentaria — e, ao mesmo tempo, reduziria os riscos associados ao consumo de produtos de procedência desconhecida.​

Esse é um caso emblemático de que aumentar tributos nem sempre significa aumentar arrecadação. Quando a alíquota ultrapassa o ponto de equilíbrio, abre-se espaço para o mercado informal, a evasão fiscal e o crime organizado. O cigarro, hoje, é um exemplo clássico de como a sanha arrecadatória pode ser contraproducente — tanto para os cofres públicos quanto para a saúde coletiva.​

Esse fenômeno não se restringe ao mercado de cigarros. Em 2025, o Brasil registrou a maior fuga de dólares de sua história no primeiro trimestre, com uma saída líquida de US$ 15,8 bilhões. Apenas em março, a saída foi de US$ 8,3 bilhões, superando os números do auge da pandemia em 2020.

Esse movimento coincide com um ambiente de crescente insegurança tributária, marcado por propostas de aumento de tributos sobre patrimônio, renda e aplicações financeiras. A reação do mercado foi imediata: investidores e grandes detentores de capital buscaram proteção fora do país, retirando recursos do alcance da Receita Federal.​

Assim como no caso do cigarro, uma tributação excessiva pode não apenas frustrar as metas arrecadatórias, como também empurrar toda uma atividade econômica para a informalidade ou para o exterior — onde o Estado brasileiro já não alcança mais.

A saída de capitais não é apenas um número frio na estatística cambial — ela representa uma perda real de oportunidades para o país. Quando grandes recursos deixam de ser investidos no Brasil, deixamos de gerar empregos, de fomentar a inovação, de movimentar cadeias produtivas e de criar riqueza internamente. O capital que poderia estar financiando startups, expandindo indústrias, desenvolvendo tecnologia ou irrigando o crédito nacional vai financiar crescimento e prosperidade em outras economias, que souberam oferecer maior previsibilidade e segurança jurídica.

A consequência é um ciclo perverso: menos investimento significa menos crescimento, o que compromete a arrecadação futura e aumenta a dependência de medidas emergenciais — como novos aumentos de impostos, que por sua vez só aprofundam o problema. O cigarro é o exemplo mais visível, mas não é o único. O que vemos é uma metáfora clara: quanto mais se aperta, mais escapa. E o que escapa, muitas vezes, é justamente aquilo que sustentaria o próprio Estado que impõe o aperto.

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Dênerson Rosa

Advogado, 28 anos de experiência na área tributária, pós graduado em Direito Tributário e Processo Tributário, ex-auditor fiscal de tributos do Estado de Goiás.

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