Por Izabella Pavetits e Karine Rodrigues
Já imaginou transformar resíduos agrícolas em um produto de alta tecnologia que, além de ser biodegradável, pode auxiliar na cura do câncer? Não é necessário sonhar, essa já é a realidade do trabalho da startup goiana BioUs. A empresa completa três anos neste mês de junho, mas já tem parcerias nacionais e internacionais, coleciona títulos em competições e alcançou a marca de R$1,5 milhão na captação de recursos para investimento. O mercado goiano de startups tem potencial e seu voo está só começando.
A BioS desenvolve o biopolímero PHA, que é a matéria-prima para o bioplástico, a partir de resíduos da aquicultura e da agroindústria. A substância é totalmente biodegradável e não contaminante do meio ambiente e, por isso, ideal para utilização em embalagem de alimentos. Hoje, o produto de alta tecnologia é testado principalmente como veículo para encapsular medicamentos de tratamento contra o câncer. Isso porque, por ser um biopolímero, causa menos efeitos colaterais e aumenta a eficiência do tratamento.
A startup teve origem no sonho de um menino em ver as mulheres curadas da doença que provocou a morte de sua mãe, o câncer de mama. O menino, no caso, é o mestre em biologia molecular e CEO da empresa, Raimundo Lima da Silva Júnior. Em 2022, ele e seu sócio, o biomédico e especialista em biotecnologia, Eduardo Rocha, decidiram unir conhecimento científico e engenharia de ponta para desenvolver uma tecnologia disruptiva e levá-la ao mercado.
Raimundo conta que tudo começou em 2016, quando ainda era professor universitário e secretário de pesca e aquicultura de Nova Veneza (GO) e foi convidado para fazer um intercâmbio, na Georgia Southern University, nos Estados Unidos. “Naquela época eu já queria levar a pesquisa do laboratório da academia e levar para o mercado”, revela. Lá, se interessou pelo modelo de pesquisa de uma deep tech – startup que se dedica ao desenvolvimento de tecnologias baseadas em pesquisas científicas – e, quando voltou para o Brasil um ano depois, decidiu se dedicar ao empreendedorismo.
O empresário buscou a ajuda do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) e mergulhou em uma jornada de mais de 30 cursos para aperfeiçoar habilidades em gestão e aprofundar os conhecimentos sobre o funcionamento de uma startup. Cinco anos e muita pesquisa depois, nasceu a BioUs.
A captação de recursos para investimento no negócio, a chamada subvenção, teve início já em 2022. No total, eles já somam R$1,5 milhão em subvenção. E, até o fim deste ano, devem captar mais dois milhões de euros, resultado de parceria com a Servier, uma gigante global do setor farmacêutico. O investimento é fruto da aprovação da BioUs no Spartners, programa de incubação de deep techs da Universidade de Paris-Saclay e da BioLabs, na França.
A nanocápsula desenvolvida pela companhia goiana tem o potencial de revolucionar o diagnóstico e tratamento do câncer. A tecnologia inovadora leva um marcador para o diagnóstico que possibilita a detecção de uma doença de forma bem precoce, e sem provocar nenhuma alteração no estado do paciente. Dessa forma, o tratamento pode ser ainda mais individualizado e preciso, atuando diretamente nas células cancerígenas.

De acordo com o CEO e fundador da BioUs, por meio da incubação na França, a startup terá a oportunidade de testar sua nanocápsula em estudos pré-clínicos com pacientes, um passo crucial para validar a tecnologia e aproximá-la da aplicação clínica. Além disso, a parceria com a Servier e o acesso à infraestrutura de pesquisa da Universidade de Paris-Saclay permitirão acelerar o desenvolvimento da solução e expandir ainda mais os horizontes.
Hoje, a BioUs tem parceria dentro e fora do Brasil, como a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), no campus de São José dos Campos, em Portugal, na França e nos Estados Unidos. Raimundo Lima da Silva Júnior credita ao Sebrae a aquisição dessas parcerias e a ida para os summits internacionais, como o de Portugal, Singapura e da Arábia Saudita onde fortaleceram a network, e puderam mostrar o trabalho que realizam.
Raimundo Júnior afirma que o bioplástico tem um potencial gigante para atender várias áreas, e não se restringe ao segmento da saúde, como o setor de produção agrícola e alimentício, contribuindo para diminuir a poluição e gerando produtos mais limpos. Tanto que, no último ano-safra, a empresa faturou R$900 mil, por conta das soluções criadas para serem aplicadas na agricultura.
O pesquisador e empresário enfatiza que cada opinião dos mentores foi considerada e fundamental para que chegassem onde estão. “Queremos que a nossa pesquisa e nossos produtos sejam conhecidos no mundo. A ciência não tem fronteiras e não queremos limitar o que faz bem para o mundo a um Estado e um País”, defende.
O caminho segue aberto e com grandes oportunidades para o time de empreendedores.
Destino final: inovação
Mas, afinal, o que é uma startup? Em linhas gerais, são pequenas empresas criadas para oferecer soluções inovadoras a partir de modelos de negócios que tenham potencial de crescimento rápido e que sejam replicáveis. No Brasil, o Marco Legal das Startups as define como “as organizações empresariais ou societárias, nascentes ou em operação recente, cuja atuação caracteriza-se pela inovação aplicada a modelo de negócios ou a produtos ou serviços ofertados”.
Analista da Unidade de Soluções do Sebrae Goiás, André Luis Villela explica que toda a dinâmica de funcionamento é peculiar e a inovação está no DNA do conceito. “A startup nasce de uma ideia inovadora para solucionar uma dor, um gargalo ou um problema específicos que afetam diversos setores da economia. Pode ser para melhorar uma coisa que já existe ou propor algo realmente disruptivo, mas sempre tendo a inovação como guia”, explica.
São pequenos negócios de até dez anos que buscam capital externo para validar seu produto inovador (conhecido como MVP, sigla em inglês para produto viável mínimo) e, por isso, possuem alto risco e alto potencial (podendo chegar a valer U$ 1 bilhão, no caso das famosas unicórnios) de forma rápida.

O desenvolvimento de novos negócios em modelo de startups é estratégico para diversificar qualquer economia, segundo o diretor do Hub Cerrado, Uaitã Pires. “Elas criam mercados e impulsionam setores como tecnologia, saúde, educação e sustentabilidade. Além disso, geram empregos qualificados e contribuem para reter talentos que, muitas vezes, acabariam saindo do Estado em busca de oportunidades”, detalha. Isso sem contar que um um ecossistema de startups ativo atrai investimentos — tanto públicos quanto privados — e fortalece a cultura empreendedora local.
Ecossistema brasileiro
Até o fechamento desta reportagem, o Observatório Sebrae Startups havia mapeado o total de 20.016 empresas desse tipo ativas em todo o Brasil. Conforme os dados da edição mais recente do Sebrae Startups Report Brasil, que abrange apenas as companhias identificadas durante os programas e projetos da instituição, o ecossistema brasileiro está em franca expansão. Em um cenário de crescimento nacional na taxa de 59%, o estudo destaca especialmente o avanço nas regiões Centro-Oeste e Nordeste. Por mais que tenha a menor representatividade (9,26% do total), o Centro-Oeste conquistou a maior taxa de crescimento proporcional (189%).
Ainda de acordo com o relatório, os cinco principais segmentos das startups no Brasil são: tecnologia da informação; saúde e bem-estar; educação; agronegócio e impacto socioambiental.
Quanto à maturidade, a maior parte das startups está em fase de validação (33,45%), tração (27,47%) e ideação (22,03%), o que reflete diretamente os desafios da escalabilidade. Segundo o Sebrae, são dados que reforçam a necessidade de suporte estratégico para impulsionar o avanço e o desenvolvimento sustentável das startups.
A edição de 2024 do Mapeamento do Ecossistema Brasileiro, da Associação Brasileira de Startups (Abstartups), aponta que mais de 65% dessas empresas no Brasil nunca recebeu um aporte. O Brasil está em 27º lugar no ranking internacional do estudo Global Startup Ecosystem Index 2025. O estudo indica que o país registrou um aumento de 21,7% em seu ecossistema de startups entre 2024 e 2025. Outro dado relevante é que agora há 28 cidades brasileiras entre as mil melhores do mundo no setor, ante 25 no período anterior. Desse total, mais de 60% avançaram no ranking global.
O jeito goiano de inovar
Não deixe que o fato de Goiás estar na lanterna entre os Estados do Centro-Oeste no relatório Startups Report Brasil 2024 te engane, alerta o analista do Sebrae Goiás André Luís Villela. “Vou lembrar uma frase do economista Aaron Levenstein: “Estatísticas são como biquínis. O que revelam é sugestivo, mas o que escondem é vital”, aponta. Nesse caso, justifica ele, tudo que o Estado tem feito para estimular seu ecossistema da inovação nos últimos seis anos fica oculto.
Como exemplo, Villela cita o Pacto Goiás pela Inovação, um acordo estratégico interinstitucional para uma governança compartilhada. A intenção é criar uma gestão unificada e eficiente, direcionada a desenvolver ações, mensurar evoluções e ampliar as conexões entre os integrantes do ecossistema de inovação no Estado. “É um trabalho holístico, global. E esse tipo de iniciativa demanda tempo para apresentar resultado”, conta.
O analista do Sebrae vai além e defende que, independentemente de pesquisas, Goiás já está bem posicionado, porque tem resultados de qualidade quando o assunto é inovação. A presença de três unidades da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii), duas em Goiânia e uma em Rio Verde, é mencionada como prova de seu argumento.
Segundo ele, o Centro de Excelência em Inteligência Artificial (Ceia), da Universidade Federal de Goiás (UFG), é a “menina dos olhos”. Criado em 2019, o Ceia ultrapassou a marca dos R$200 milhões em volume total de captação e já é considerado um sucesso. Recentemente, a unidade anunciou que receberá oito supercomputadores para o desenvolvimento de inteligência artificial (IA), os primeiros da América Latina.
“Acredite ou não, Goiânia é a referência de IA na América Latina. Vem muita gente grande, internacional, desenvolver projetos aqui. É importante pensar nisso para não ter nenhum complexo de vira-lata, sabe?”, reflete. E acrescenta: “Não podem nem me acusar de bairrismo, eu não sou goiano. Espera mais um tempinho que garanto que você vai ver Goiás aparecer bem melhor nesses levantamentos nacionais”.

Vale lembrar também que Goiás é a casa do primeiro hub de inovação público do Centro-Oeste. O Hub Goiás foi criado em 2019 para unir startups, empresas, investidores, universidades e o setor público. Algumas das principais iniciativas incluem programas de aceleração e incubação; eventos de capacitação e formação; oportunidades de networking, conexão com investidores e espaços de coworking. Além disso, ele monitora o mapeamento do ecossistema goiano, com direito a painel interativo e site dedicado.
O diretor de Hub Cerrado, Uaitã Pires, faz coro à defesa do potencial goiano, especialmente no que diz respeito às agtechs (startups que usam tecnologia para resolver desafios do agronegócio). “Investir em startups é investir no futuro econômico e social do Estado, promovendo desenvolvimento regional com mais inclusão, tecnologia e impacto positivo”, afirma.
Da academia para a sociedade
Com o propósito de desenvolver exames de diagnósticos moleculares rápidos, a startup Biotech Genômica nasceu em 2023 por meio de uma chamada interna do Centro de Empreendedorismo e Incubação da Universidade Federal de Goiás (CEI-UFG). Sua fundadora, a professora e doutora Elisângela Paula Lacerda, busca agora expandir a atuação da empresa para além do ambiente universitário e impactar a sociedade.

Inicialmente focada na detecção rápida de casos de dengue, zika e chikungunya dentro da UFG, a Biotech Genômica intensificou sua relevância durante a pandemia de covid-19 com o desenvolvimento de testes rápidos para a doença. A professora Lacerda e seu sócio, o professor Carlos Eduardo Anunciação, identificaram a oportunidade de transcender os muros da academia, transferindo o conhecimento e a tecnologia desenvolvidos na UFG para o mercado.
“Muitas vezes, nós, professores, nos apegamos excessivamente à produção acadêmica e privamos a sociedade do acesso a esse conhecimento. Assim, esse saber não sai do papel”, reflete ela. A Biotech Genômica representa um passo significativo nessa direção, prometendo democratizar o acesso a diagnósticos moleculares rápidos e eficientes.
A expertise desenvolvida durante a pandemia, com testes rápidos que se destacaram pela precisão, rapidez e baixo custo, impulsionou a criação de uma solução inovadora pela Biotech Genômica: uma maleta portátil que funciona como um mini laboratório. Esse dispositivo permite levar a tecnologia de diagnóstico rápido para qualquer lugar, um formato até então inédito no mercado. A startup tem conquistado reconhecimento e espaço no cenário da inovação brasileira, tendo alcançado premiações em programas como o Mulheres Inovadoras, da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e o programa Madurar, do Hub Goiás.
No momento, um dos principais objetivos da empresa é levar seus kits de testagem inovadores tanto para a saúde humana quanto para o crescente mercado pet, além de explorar o setor agrícola. Para isso, ainda precisa conquistar aprovação regulatória da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa).
O grande obstáculo para impulsionar a produção das maletas e dos kits, agora, é encontrar investidores-anjo e editais de subvenção econômica, visando alavancar a inovação e o impacto de suas soluções no mercado.
Rede de apoio
Como trabalham diretamente com ideias nunca antes testadas, as startups lidam com cenários de incerteza acentuada e requerem alta capacidade de adaptação para se tornarem bem-sucedidas. E de que maneira o tipo de negócio pode superar esses desafios e alcançar o sucesso? Para Uaitã Pires, que dirige o Hub Cerrado, a resposta é, ao mesmo tempo, simples e complexa.
“Simples, porque o mais importante apoio à startup é ajudá-la com um ambiente de negócio mais favorável. E complexa no aspecto de como isso pode ser feito”, explica o diretor. São muitos obstáculos a se superar, aponta ele, mas os principais costumam girar em torno de três pilares: acesso e validação de mercado, acesso a capital e formação de equipe.
“Há ainda desafios ligados à gestão, escalabilidade e adaptação às mudanças do mercado, que também devem ser considerados. Por isso, ter acesso a mentorias qualificadas, redes de apoio e ambientes de inovação ajuda muito nesse processo”, analisa.
Para o CEO da BioUs, Raimundo Lima da Silva Júnior, o Sebrae é o principal sócio de uma startup no início da vida, porque ele preenche os gargalos que um cientista dentro de uma universidade não enxerga. “Foi através da instituição que tivemos acesso às nossas duas primeiras subvenções, justamente o que precisávamos para um pontapé inicial”, conta. A empreendedora da Biotech Genômica, Elisângela Lacerda, faz coro à defesa da importância da rede de apoio ao empreendedor, a qual afirma que tem sido fundamental para que sua ganhe cada vez mais espaço e visibilidade no mercado nacional.
Segundo o diretor da Unidade de Soluções do Sebrae Goiás, Victor Antônio Costa, a maioria dos fundadores de startups são pesquisadores, professores ou estudiosos, e frequentemente carecem de experiência em gestão. Por isso, elucida, a transição do ambiente acadêmico para o mercado é um dos maiores desafios para empreendedores que desejam lançar uma startup.
“O Raimundo Lima Júnior [da BioUs] mesmo fala muito sobre isso. Ele costuma dizer que era um professor e teve que aprender a ser gestor”, exemplifica Costa, que aproveita para destacar o papel fundamental do Sebrae em preencher essa lacuna. Enquanto os profissionais contribuem com ideias e embasamento teórico, o Sebrae Goiás complementa com iniciativas que abrangem desde a concepção de uma startup até a sua aceleração.

Para Victor Costa, Goiás vem consolidando sua posição no cenário nacional de startups de forma gradual, mas consistente. “O empenho do Sebrae é trabalhar para buscar cada vez mais apoio financeiro e assim colocar o Estado entre os que mais possuem negócios estáveis e de sucesso”, conclui. O diretor enfatiza que o Estado já possui um número expressivo de casos de sucesso em startups.
“Precisamos fazer com que as pessoas descubram o que existe de ferramenta para ajudar na prática, isso não é de conhecimento geral. É a melhor maneira de você ter algo desenvolvido. É a mais rápida, mais barata e de melhor qualidade. Sozinho, ninguém chega a lugar nenhum”, arremata André Luis Villela, também do Sebrae.
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