A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) prorrogou até 30 de setembro o prazo para que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e a União editem regulamentação do cultivo medicinal da cannabis por empresas. O julgamento de questão de ordem foi realizado no último dia 11. O prazo original era até 19 de maio, mas ambos apresentaram um plano com diversas iniciativas em curso, além de outras ações estratégicas a serem executadas de acordo com o novo prazo definido.
Advogado especialista em direito canábico, Wesley Cesar explica que o governo federal já está sendo pressionado a criar essa regulamentação desde novembro de 2024. “O que vemos agora é uma corrida contra o tempo para evitar o que já se tornou comum no Brasil, pacientes judicializando o direito de plantar ou importar remédios de cannabis”, complementa.
Para exemplificar, o advogado diz que “regular do plantio à prateleira é como desenhar uma estrada que liga o campo à farmácia, com postos de fiscalização no caminho.” Para determinar uma regulamentação seria necessário definir quem planta, quem fiscaliza, quem transporta, quem transforma em medicamento e como esse produto chega de forma segura e acessível ao paciente.
No entanto, enquanto o plano de ação aparenta ser um bom sinal, por integrar os ministérios da Saúde, Justiça e Agricultura, Wesley Cesar alerta que a eficácia depende da coerência entre a lei e sua aplicação prática. “Um bom decreto não basta se a Anvisa não souber como implementá-lo ou se a Polícia Federal continuar tratando pequenos cultivadores como criminosos”, esclarece.
De acordo com a ministra Regina Helena Costa, relatora do processo, o plano proposto passa a vincular a União e a Anvisa em relação às providências descritas, o que também se aplica quanto aos prazos definidos para as respectivas implementações. Entre seus objetivos estão a aprovação de atos normativos necessários para regular a cadeia de atividades relacionadas à produção e ao acesso a derivados de cannabis, a criação de espaços de diálogos ampliados com segmentos sociais e a articulação de setores do Poder Executivo na elaboração de propostas para a regulamentação.
Desafio jurídico
A contradição entre a Lei 11.343/06 (Lei de Drogas), que proíbe a cannabis, e a realidade médica é apontada como o principal obstáculo. Para essa lei, a cannabis é uma substância proibida, salvo em casos excepcionais autorizados pela Anvisa ou pelo Judiciário. “É necessário criar um ambiente regulado que não criminalize o próprio paciente ou produtor autorizado”, comenta o especialista.
Outro possível obstáculo burocrático é a fragmentação institucional. “O Ministério da Saúde pode reconhecer o valor terapêutico da cannabis, mas o Ministério da Justiça e a Polícia Federal ainda operam com lógica de repressão. Já o Ministério da Agricultura precisará classificar e fiscalizar o cultivo, algo inédito no país em escala nacional”, ressalta. Ele diz ainda que, para funcionar, é necessário que o governo tenha “um decreto claro, técnico e com força normativa suficiente para guiar todos esses órgãos”.
Restrição
Ao tratar do projeto do senador Flávio Arns (PSB-PR), que propõe que apenas entidades autorizadas, como laboratórios, associações e empresas, possam cultivar para fins medicinais, o advogado avisa que essa proposta exclui o cultivo individual com autorização judicial, que tem sido a única saída para muitos pacientes.
“Minha análise é que do ponto de vista jurídico, não existe um impedimento constitucional para o cultivo pessoal com finalidade terapêutica, desde que com autorização do estado”, conta Wesley Cesar. A intenção de que entidades possam facilitar a fiscalização, mas dificulta o acesso de quem não tem recursos para pagar nem por produtos industrializados nem para esperar possíveis políticas públicas.
Expectativas
Para o especialista, a regulamentação tem um enorme potencial para reduzir a judicialização, já que quando o estado define regras claras, ele tira o paciente da incerteza e do risco de criminalização. Entretanto, defende a necessidade que a regulamentação elaborada seja inclusiva e operacional, já que muitas universidades e centros de pesquisa enfrentam um labirinto burocrático para estudar cannabis, e muitos pacientes enfrentam custos altos.
Quanto aos riscos jurídicos, para Wesley, podem existir três frentes: a interpretação da Lei de Drogas, que ainda classifica a planta como proibida; a atuação das forças policiais que podem seguir tratando cultivadores como traficantes se não houver orientação institucional clara; e a ausência de polícia de distribuição pelo SUS que empurra pacientes para o mercado privado ou para a Justiça.
“Na minha opinião, a solução está em mecanismos como cadastro nacional de pacientes, rastreabilidade das plantas, auditorias regulares e protocolos claros de cultivo e dispensação. Mas é essencial que a fiscalização não seja punitiva, e sim orientadora, senão, corremos o risco de transformar a esperança terapêutica em novo alvo da repressão”, argumenta.
Segundo o advogado, o caminho seria ter regras claras para quem vai cultivar, produzir e vender; capacitação urgente de médicos e farmacêuticos para prescrição responsável e, principalmente, a inclusão desses medicamentos no SUS, com distribuição gratuita ou subsidiada para quem mais precisa. “O grande teste será transformar essa política pública em acesso real com agilidade, segurança e humanidade.”
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