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Tributar os “super-ricos”. Imposto nos outros é mesmo refresco?

Imagem de vecstock no Freepik

Por Dênerson Rosa

Comparar impostos e pimentas pode soar afronta quem gosta das ardidas. Afinal, quando se usa alguma comparação para tratar de impostos, o habitual é que o paralelo seja feito com algo ruim.

No campo das pimentas, há quem goste, quem deteste, quem tolere, quem seja alérgico e até quem seja completamente dependente. Mas cada um pode temperar sua comida como quiser, sem que isso afete aos demais.

No campo tributário, a liberdade de tempero não é a mesma. Para que o meu universo tenha menos impostos, alguém vai pagar mais. Este é um ponto importante (e pouco discutido) sobre os impostos. Cada vez que uma pessoa é beneficiada com redução, outra vai ser onerada em seu lugar.

Portanto, quando o governo anuncia que pretende aumentar tributação sobre os super-ricos, isso parece soar bem, e obter simpatia da maior parte da população. Há muito tempo, a ideia da tributação Robin Hood faz parte do imaginário brasileiro, e conseguiu adesão até do legislador constituinte de 1988 (o tal imposto sobre grandes fortunas está na Constituição, pendente apenas de regulamentação).

O governo atual parece estar convencido de que deve assumir o papel de tributar os mais ricos. Alguns dos alvos fiscais anunciados ao longo destes primeiros meses de governo foram: (a) subvenções para investimentos concedidos pelos Estados e Distrito Federal; (b) juros sobre capital próprio (que o Ministro Haddad denomina “escândalo”); (c) rendimentos no exterior; (d) distribuição de dividendos e (e) fundos exclusivos (os tais super-ricos).

Em todos estes casos, o governo utiliza o mesmo argumento, de que são ferramentas que permitem que poucas pessoas, com muito dinheiro, deixem de pagar ou paguem bem menos impostos. E não se pode afirmar que o governo está usando um falso argumento.

Impostos são inegavelmente democráticos, já que todos são de alguma forma alcançados por eles. Mas dificilmente se pode afirmar que são distribuídos de forma justa.

E talvez o problema do governo esteja exatamente aí. Conceber tributação a partir da premissa de fazer justiça fiscal. Aumentos de tributação direcionados para quem detém mais recursos econômicos pode parecer algo bom, mas pode ter efeitos bem adversos.

Se os grandes patrimônios e fortunas migrarem para outros países, e levarem consigo a renda e os empregos que geram, podemos nos transformar em um país com tributação altamente ineficiente, mas bastante justa. O tal imposto sobre grandes fortunas é um bom exemplo de que este tipo de consequências pode acontecer.

Muitos países do mundo ocidental instituíram, nas décadas de 60, 70 e 80, tributação sobre grandes fortunas, mas começaram a ver os grandes patrimônios migrarem para outros países. Como consequência, nas últimas três décadas, muitos retrocederam neste tipo de cobrança. Itália, Dinamarca, Alemanha, Holanda, Finlândia e Suécia, para mencionar apenas os mais expressivos, foram alguns dos países que recuaram na tributação de grandes fortunas.

Hoje o mundo é muito menor, ir para qualquer lugar está cada vez mais fácil, e investir em outras moedas, ou em ações de empresas em outros países, se tornou quase rotineiro.

Para quem tem grandes patrimônios constituídos principalmente em imóveis, migrar seus investimentos para outros países é algo possível, embora não seja nem rápido, nem fácil. Mas para quem detém grandes valores em fundos de investimentos exclusivos, a migração de seus investimentos para outros locais muitas vezes depende apenas do querer.

Benjamin Franklin, quando se referiu a impostos, fez paralelo com a morte, como as únicas certezas deste mundo. Como o único jeito de não pagar impostos é indo para a outra certeza, as pessoas ainda preferem os impostos, mas naturalmente usam os meios disponíveis para conseguir pagar menos (alguns se restringem aos meios legais, mas nem todos). E quanto maiores os valores envolvidos, mais mecanismos legais passam a ser viáveis (aqui ou em outros países).

Nunca participei de caçada (nem tenho vontade). Mas se eu me visse dentro de uma, eu gostaria de estar no grupo que participa atirando. Estar no outro grupo deve ser bem menos agradável.

Um caçador experiente não atira a esmo, ele repete tiros apenas quando percebe que não acertou o alvo. E na repetição, ele normalmente dispara mais de uma vez, pois o alvo pode ter se assustado e estar se movimentando.

Em 30 de abril, o governo deu primeiro tiro, editando Medida Provisória para tributar os investimentos no exterior. Em 28 de agosto o governo errou o alvo (a Medida Provisória perdeu eficácia por não ter sido aprovada no Congresso dentro do prazo).

Em seguida, o governo apelou e disparou três vezes seguidas (entre 28 e 30 de agosto) promulgando normas ou apresentando projetos de lei que estabelecem tributação (a) sobre fundos exclusivos – os tais super-ricos, (b) sobre subvenções para investimentos, e (c) novamente sobre investimentos no exterior.

Da primeira vez não deu certo, mas nem dá para brincar com o governo, falando “rororô, você errou”. O governo já mostrou que não sabe brincar.

Dênerson Rosa

Advogado, 28 anos de experiência na área tributária, pós graduado em Direito Tributário e Processo Tributário, ex-auditor fiscal de tributos do Estado de Goiás.

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