O diagnóstico de que o sistema tributário brasileiro é extremamente complexo e muitas vezes irracional dispensa maiores conhecimentos técnicos. Não é necessário ser um especialista em direito tributário para se chegar a essa conclusão, basta ter alguma experiencia empresarial para verificar que é preciso despender considerável tempo e recursos para satisfazer as obrigações impostas pelo fisco e, ainda assim, se sujeitar às inúmeras, e severas penalidades tributárias.
Não bastasse a elevada carga tributária, principalmente se comparada à de outros países com grau de desenvolvimento econômico equiparáveis ao Brasil, a interpretação da legislação tributária é um trabalho, possivelmente, mais difícil do que a própria atividade empresarial, seja ela de prestação de serviço, indústria ou comércio e que, não raramente, acaba por culminar em controvérsias jurídicas a serem enfrentadas pelo Poder Judiciário.
Essa mesma complexidade em relação à interpretação das normas tributárias, sejam elas de natureza constitucional ou legal, também afeta a coesão das decisões judiciais, gerando muitas vezes, principalmente nas instâncias iniciais, tratamentos distintos para situações iguais.
O cessar dessa falta de coesão, dentro do sistema judicial brasileiro, cabe ao Supremo Tribunal Federal (STF) e ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), a depender se a questão é de natureza constitucional ou legal.
Para além de estabelecer tratamentos coesos e, portanto, equilibrados para os contribuintes em situações semelhantes, as decisões das instâncias superiores do Poder Judiciário têm o condão de propiciar estabilidade jurídica em relação às regras do jogo tributário.
Ou seja, para quem empreende, o STF e o STJ funcionam, ou deveriam funcionar, como guardiões de um ambiente econômico equilibrado – sem distorções competitivas significativas – e juridicamente estável – sem mudanças abruptas.
Ocorre que essas funções (de gerar equilíbrio concorrencial e estabilidade jurídica) não vem sendo alcançadas a contento, pois as soluções das questões submetidas ao judiciário demoram demasiadamente até uma conclusão e, diversas vezes, são claudicantes, ou seja, muito facilmente mutáveis, causando descrédito e até certo desânimo à classe empresarial.
Em suma, as questões submetidas ao judiciário para sanar interpretações divergentes em matéria tributária, levam muitos anos para serem definitivamente julgadas, para que ocorra o trânsito em julgado da decisão, sem qualquer garantia de que a jurisprudência (o entendimento judicial dominante à época do ajuizamento da questão) será mantida.
Entraves para empreender
Por outro lado, atualmente, as questões definitivamente decididas (transitadas em julgado) gozam de alguma estabilidade pautada no instituto da coisa julgada material, que vem a ser, conforme o artigo 502 do Código de Processo Civil, a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso.
Ocorre que, especialmente em matéria tributária, estão em julgamento no Supremo Tribunal Federal dois recursos – RE 949297 e RE 955227 – que discutem os limites da coisa julgada. Atualmente os recursos estão suspensos, e devem sair do plenário virtual para plenário físico. Antes do pedido de vista, os ministros formaram maioria (voto de sete dos onze) para que uma decisão do STF cesse automaticamente os efeitos de uma decisão transitada em julgado. E como se sabe, quando há o trânsito em julgado, não cabem mais recursos de uma decisão. De forma clara, prevalecendo o julgamento nesse sentido, fica evidente que decisões transitadas em julgado poderão vir a ser “anuladas” em determinadas situações.
Não se questiona que, em prevalecendo a desconsideração da coisa julgada, haja de fato a esperada correção de eventuais disparidades concorrenciais que alguns contribuintes possuem em detrimento de outros, como é o caso da discussão da Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL), que é inclusive, o objeto dos dois recursos acima mencionados. Sem dúvida alguma, propiciar um ambiente de negócios sem distorções concorrenciais é salutar e justo.
Por outro lado, não se pode desconsiderar que admitir a quebra da coisa julgada material implica em abraçar de vez a insegurança jurídica que impera no ambiente de negócios brasileiro, significa ampliar a sensação de que as regras do jogo podem ou não valer.
A nosso ver, esse tipo de situação ora enfrentada pelo STF decorre principalmente do caos tributário a que estão submetidos os contribuintes e o próprio Judiciário. Tanto as distorções competitivas decorrentes de decisões transitadas em julgado favoráveis a determinados contribuintes, quanto a instabilidade jurídica gerada pela alta mutabilidade das decisões não serão resolvidas no Judiciário. Cabe ao Poder Legislativo reformar o sistema tributário, de modo a torná-lo racional e inteligível, além de coibir os poderes dos fiscos federal, estaduais e municipais, de editarem regras que extrapolam sua competência de regulamentar as leis.
Enquanto não houver essa reforma profunda do sistema tributário nacional, o ambiente de negócios brasileiro continuará nebuloso e pouco hospitaleiro, dificultando a vida de quem quer empreender, e sim, travando um crescimento econômico célere.
Diante desse cenário, torna-se ainda mais importante para quem empreende no Brasil estruturar suas atividades de modo que possa perseguir – com razoável grau de segurança jurídica – eficiência tributária, qualidade gerencial e proteção patrimonial. Abrir mão dessas medidas significa se aventurar num ambiente inóspito sem as ferramentas básicas para sobreviver.
Thiago Braga Fujioka
Advogado
Master of Law (LLM) em Direito Societário pelo Insper.
Especialista em Direito Tributário e Governança Corporativa.
Sócio do Braga Fujioka, Porto e Barbosa Advogados.