Por Maicon Farina
Para companhias que pretendem captar recursos baratos no mercado de capitais, preparação é menos sobre “ser grande” e mais sobre ser previsível, transparente e estruturalmente confiável. Financiadores no mercado não compram apenas um projeto — eles compram a capacidade da empresa de honrar pagamentos em cenários adversos e de gerar excesso de caixa ao longo do tempo. As empresas que conseguem juros mais baixos combinam quatro frentes: governança robusta, contabilidade e controles confiáveis, qualidade e previsibilidade de fluxos de caixa (com garantias ou colaterais adequados) e maturidade operacional e de gestão. Abaixo explico o que isso significa na prática e quais medidas concretas reduzem o preço do crédito.
Governança corporativa não é decoração: Conselhos ativos, com membros independentes e comitês (auditoria, riscos, compliance) reduzem percepções de risco. Aplicar orientações do IBGC — conselho de administração bem estruturado, políticas claras sobre conflitos de interesse, comitês de assessoramento, planejamento sucessório, auditoria independente, delegação de poderes e transparência em remuneração — transforma a leitura do financiador. Um conselho que exige relatórios periódicos de risco, aprova políticas de hedge e monitora projetos de investimento dá conforto adicional e pode diminuir prêmios de risco. Para empresas familiares, formalizar acordos societários, protocolo familiar e regras de distribuição de dividendos é um ganho de credibilidade imediato.
Contabilidade organizada e auditoria independente são pré-requisitos. Demonstrações financeiras auditadas por firmas reconhecidas, notas explicativas completas e histórico de reconciliações mostram que os números são confiáveis. Financiadores remuneram com juros menores quem apresenta covenants robustos, projeção de fluxo de caixa com premissas claras (conforme descrito a diante), histórico de cumprimento e controles internos testados (ERP bem parametrizado, políticas de compras, segregação de funções).
Capacidade de pagamento e qualidade dos fluxos: financiadores preferem caixa previsível e contratos de longo prazo. No setor de energia, por exemplo, geradoras com PPAs indexados e operador independente apresentam fluxo previsível; debêntures com amortização compatível à curva de geração tendem a apanhar cupom menor. No agronegócio, empresas que conseguem transformar produção em recebíveis contratados (vendas futuras, contratos de offtake, CRA/Fiagro) oferecem ativos passíveis de securitização e reduzem o spread. Para saúde, contratos com operadoras consolidadas e histórico de inadimplência controlado nas recepções de clínicas ou hospitais são diferenciais que baixam o preço. Incorporadoras que estruturam CRIs sobre recebíveis de vendas com garantias hipotecárias bem escrituradas obtêm maior apetite e menores custos. Quando não há garantias reais suficientes, recebedores de alta qualidade (contratos com buyers sólidos, carteiras de recebíveis com baixo churn) funcionam como colateral para FIDC e melhoram a precificação.
Gestão madura e previsibilidade operacional: gestores com histórico de execução, planejamento de capex crível e disciplina de caixa transmitem confiança. Equipes que conseguem justificar uso dos recursos (capex que gera margem incremental, aquisição com sinergias quantificadas) ajudam financiadores a ver a operação como geradora de riqueza, não apenas alavancagem. Demonstrar política clara de hedge (quando aplicável), gestão de commodities e proteção cambial é outro diferencial em setores expostos a preços internacionais.
Prazos e amortizações alinhados ao ciclo do negócio demonstram bom planejamento de caixa. Estrutura legal e mitigação de risco são práticos e impactam o custo: contratos bem redigidos, garantias perfeitamente constituídas (registro imobiliário, cessão de recebíveis, garantias fiduciárias), trustee independente, contas escrow para amortização ou serviço de dívida e cláusulas de early-info reduzem o risco legal e operacional para o investidor. Empresas que passam por rating (agências locais) costumam ver redução significativa no custo, pois a nota sintetiza risco de crédito para investidores institucionais.
Transparência e disclosures contínuos: roadshows bem preparados, data room organizado antes da diligência, apresentações financeiras com métricas setoriais (EBITDA ajustado, margem por unidade, turnover de estoque, prazo médio de recebimento) e respostas rápidas a due diligence encurtam processos e diminuem percepção de risco — tempo de mercado também custa dinheiro. Além disso, indicadores ESG (governança, segurança no trabalho, gestão ambiental) virou critério de muitos investidores; demonstrar conformidade ambiental, boas práticas trabalhistas e transparência em emissões melhora o apetite e pode reduzir prêmios, especialmente entre grandes fundos.
Exemplos práticos: um frigorífico do interior de Goiás formalizou sua controladoria, adotou auditoria externa e transformou contratos de offtake em recebíveis vendáveis conseguiu emitir CRA com taxa mais baixa que seu empréstimo bancário. Outro exemplo é de uma incorporadora que separou carteira de contratos em CRI, com garantia real e cadastro de inadimplentes preservado, alongou seu perfil de dívida e reduziu juros.
Passos imediatos recomendados: arrumar as demonstrações e contratar auditoria; mapear fluxos de caixa e preparar modelos de stress; revisar e formalizar governança; levantar potenciais garantias/recebíveis; preparar data room e apresentação para investidores; conversar com agentes estruturadores e, se aplicável, buscar rating. A combinação desses elementos — transparência, previsibilidade, colateral de qualidade e governança — converte risco percebido em risco real menor, e é aí que nascem as taxas mais baixas no mercado de capitais.
Em resumo, os fatores que diminuem os juros cobrados pelas instituições financeiras seguem a mesma lógica do risco x retorno. Quanto menor risco a empresa tomadora apresentar, menos juros o investidor vai cobrar para emprestar.
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Maicon Farina
Sócio-diretor da Lure Capital, conselheiro fiscal do Sicoob Unicidades, vice-presidente da Câmara Setorial de Governança Corporativa da Acieg. Administrador pela PUC-GO, Executivo Financeiro pela FGV-SP, Estratégia pela FDC-MG e de Conselheiro de Administração pelo IBGC. Especialista em operações estruturadas de crédito e professor de Matemática Financeira.
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