Raulino Souza
Raulino Souza é advogado, especialista em Direito do Trabalho e Relações Sindicais, com atuação voltada às empresas, sócio do Miranda Oellers Ribeiro Caldart Souza Advogados.
Na última quarta-feira, dia 20/10/2021, o Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5766 (ADI 5766), decidiu pela inconstitucionalidade dos dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), artigos 790-B caput e § 4º e 791-A, § 4º, introduzidos pela Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017), que atribuíam também aos beneficiários da justiça gratuita, o dever de pagar pelos custos da perícia e honorários advocatícios sucumbenciais.
A íntegra da decisão (Acórdão) ainda não foi publicada e questões sobre a sua extensão, como por exemplo a possibilidade de pedir restituição de valores eventualmente pagos, poderão ser objeto de recurso (embargos de declaração), de forma que ainda é cedo para concluir acerca do alcance da decisão e, também, certamente, muita coisa dependerá da forma como o judiciário trabalhista irá se portar frente aos critérios para o deferimento do benefício da justiça gratuita.
Vale, desde logo, o destaque de que os honorários advocatícios na justiça do trabalho e a responsabilidade pelos custos da perícia, com esta decisão, não voltarão a ter a regra de antes da reforma trabalhista. Tanto um como o outro continuam sendo de responsabilidade da parte sucumbente, que ficará isenta na hipótese de deferimento do benefício da justiça gratuita.
A responsabilidade pelo pagamento dos honorários periciais (custos da perícia), é daquele que for vencido no resultado da perícia e a reforma trabalhista atribuía esse ônus mesmo ao beneficiário da justiça gratuita. Em outras palavras, o trabalhador que ingressasse com ação trabalhista alegando ser detentor de determinado direito, como por exemplo, adicional de insalubridade, periculosidade ou indenização por acidente de trabalho, e o resultado da perícia concluísse pelo não reconhecimento daquele direito, mesmo que beneficiário da justiça gratuita, deveria pagar os honorários do perito, salvo se não obtivesse créditos capazes de suportar a despesa, hipótese em que o encargo era transferido para a União.
No que se refere aos honorários advocatícios sucumbenciais (sucumbir = ser vencido), são devidos ao advogado da parte contrária e incidem, tão somente, no caso do trabalhador que busca a Justiça do Trabalho, sobre o valor dos pedidos formulados e que não forem reconhecidos judicialmente. A reforma trabalhista instituiu que, mesmo o beneficiário da justiça gratuita, quando obtivesse em juízo crédito capaz de suportar a despesa, deveria realizar o pagamento.
Com o entendimento firmado pelo STF, o beneficiário da justiça gratuita está isento do encargo relativo aos honorários periciais e, também, dos honorários advocatícios sucumbenciais. Os honorários do perito serão suportados pela União. Os honorários do advogado não serão devidos.
A razão da introdução do dever do beneficiário da justiça gratuita, quase sempre o trabalhador, de pagar pela perícia que lhe era desfavorável e, também, de pagar honorários advocatícios sucumbenciais, foi o remédio aplicado pelo Legislativo para combater a litigiosidade excessiva, com um número de processos trabalhistas absurdos, decorrentes de uma enormidade de pedidos permeados de má-fé, que ainda fazem do Brasil o país que concentra, sozinho, quase o dobro do número de processos trabalhistas da soma do resto do mundo.
Se o remédio era amargo ou se a dose estava errada, a nós parece que ainda pior é a doença não ser combatida. Não se tem notícia que os dispositivos, agora inconstitucionais, provocaram precarização das relações de trabalho e não se pode concluir que criavam barreira de acesso ao Judiciário, pois não instituíam qualquer ônus prévio ao trabalhador para perseguir aquilo que entendia ser seu direito.
Tanto é assim, que os dados oficiais do Tribunal Superior do Trabalho apontam que desde 2017, os valores pagos aos reclamantes nos anos seguintes (2018, 19 e 20) sempre foram significativamente maiores do que dos anos anteriores à reforma. Acesse o documento aqui.
Portanto, se considerarmos que volume pago aos trabalhadores representa eficiência, o que esteve fora da Justiça do Trabalho com a redução no número de ações judicializadas, foram os famigerados pedidos absurdos, o que mostra, na verdade, adequação do tratamento dado pelo Legislativo.
A litigância responsável é um dever que antes da reforma trabalhista estava praticamente abandonado e a decisão do STF tende, sim, a fazer voltar aquela realidade indesejável. A máxima do “não ter nada a perder” que prevaleceu até 2017, pode voltar à ativa, agora com um algo a mais, pois na prática, ao fim e ao cabo, a decisão do STF traz quase uma exclusividade onerosa para o empregador/reclamado, já que este, muito raramente beneficiário da justiça gratuita, continua sujeito ao ônus dos honorários advocatícios sucumbenciais, entre outros tantos que só quem se aventura a gerar empregos conhece de fato, enquanto a jurisprudência tem forte tendência em admitir que a simples declaração do trabalhador é suficiente para a comprovação de sua incapacidade para arcar com os custos do processo.
Vale o destaque de que a ADI 5766 também arguiu a inconstitucionalidade do art. 844, § 2º, da CLT, que prevê que o reclamante será condenado ao pagamento das custas processuais na hipótese de não comparecimento à audiência, mesmo que beneficiário da justiça gratuita. Mas este dispositivo foi declarando constitucional.
Sintetizando, se a despesa sob responsabilidade do beneficiário da justiça gratuita for com honorários periciais, a União paga. Se for custas judiciais, não há isenção, mesmo que beneficiário da justiça gratuita, deve pagar. Já honorários advocatícios sucumbenciais, o beneficiário da justiça gratuita, que em quase 100% dos casos é o reclamante/trabalhador, não precisa pagar. Mas a reclamada/empregador, que quase nunca goza do benefício, pagará honorários sucumbenciais. Para o empregador, portanto, a realidade é pior que a anterior à reforma.
Com o devido respeito ao entendimento do STF, o que a prática nos mostrou é que a implementação dos ônus sucumbenciais, afastou do judiciário, ou pelo menos minimizou, aventuras indesejáveis, fomentando a conciliação e introduzindo uma cultura de negociação para a solução de conflitos, algo muito positivo para a evolução das relações de trabalho e que se mostrou eficaz, inclusive, para a elevação do número de empregos formais, mesmo em um cenário de crise.
Agora, resta saber se o judiciário trabalhista será eficiente na aplicação de institutos como a litigância de má-fé, que pode ser ferramenta importante para afastar pedidos absurdos, e se procederá, também, à análise minuciosa para a concessão do benefício da justiça gratuita, observando todo o regramento que toca a matéria, inclusive atentos a quando o resultado da ação alterar o contexto que motivaria o benefício, tendo em mente, sempre, que despesas não suportadas por aqueles que deveriam arcar com os ônus de seus interesses exclusivos, transferidas ao erário ou à cadeia produtiva, são suportadas por todos.