O Superior Tribunal de Justiça (STJ) divulgou, recentemente, decisão na qual dispõe a respeito da divulgação de conversas do whatsapp, sem que haja a devida autorização dos envolvidos no diálogo. Para o STJ, quem tiver suas conversas divulgadas por meio de prints ou captura de tela, sem consentimento, tem o direito de ser indenizado sempre que for constatado dano.
Entenda o caso
Para definir a questão, o STJ pautou-se no entendimento relacionado ao caso de um homem que fez uma captura de tela de conversa de um grupo do qual participava no WhatsApp e divulgou as imagens. Ele já havia sido condenado nas instâncias inferiores a pagar R$ 5 mil para um dos participantes que se sentiu ofendido.
O caso ocorreu em 2015 e envolve um ex-diretor do time de futebol Coritiba. Na época, o vazamento provocou uma crise interna ao divulgar conversas com críticas à então administração do clube de futebol. Para tentar reverter o dever de indenizar no STJ, ele argumentou que o conteúdo das mensagens era de interesse público, e que não seria ilegal registrá-las.
Relatora do caso, a ministra Nancy Andrighi concordou que o simples registro de uma conversa por um dos participantes, seja por meio de uma gravação ou de um print screen (termo inglês para captura de tela), não constitui, em si, um ato ilícito, mesmo que outros participantes do diálogo não tenham conhecimento. O problema encontra-se na divulgação de tais registros, frisou a magistrada.
A única exceção, nesses casos, é quando a exposição das mensagens visa resguardar um direito próprio de um dos participantes da conversa, num exercício de autodefesa, decidiram os ministros do STJ. Tal análise, no entanto, deverá ser feita caso a caso pelo juiz. No caso julgado pela Terceira Turma, foi mantida a condenação à indenização.
Precedentes
Para o advogado atuante no Direito Público, Empresarial e Proteção de Dados e Privacidade, Getúlio Faria, a decisão pode abrir precedentes, inclusive em outras áreas.
“Todo tipo de mensagem, até a própria fala, são consideradas mensagens sigilosas, que devem ser protegidas e resguardadas entre as pessoas que estão se comunicando. Compartilhar essa conversa sem a devida autorização caracteriza divulgação indevida e prevê indenização de acordo com esse precedente aberto pelo STJ. As pessoas devem ter cuidado ao compartilhar essas conversas seja no trabalho ou no ambiente particular. A justiça do trabalho prevê na CLT as situações que ensejam a justa causa. Pode ser que, eventualmente, o juiz entenda que em uma situação como essa pode haver uma violação dos deveres do funcionário e decidir pela justa causa”, afirma.
Orientações
Ainda de acordo com o advogado Getúlio Faria, é preciso atentar-se às novas regras de convivência em sociedade, principalmente àquelas impostas por meio do advento das redes sociais, como por exemplo, o cuidado ao postar imagens de teor pessoal e a forma como nos comunicamos uns com os outros seja por meio de áudio ou texto escrito.
Tais cuidados estendem-se à autorização da divulgação da mensagem. Comunicações via áudio, por exemplo, podem ser mais facilmente contestadas na justiça.
O áudio não deixa de ser uma forma de autorização, mas normalmente ainda existe muito questionamento. Para garantir a validade dessa informação, para que a pessoa tenha uma segurança maior, o ideal é que se procure um cartório , no qual o oficial poderá fazer a análise dessa imagem e oficializar essa autorização. Sobre as mudanças, com a LGPD pode haver uma preocupação maior com a segurança de dados e acredito que isso pode ensejar em outros casos esse mesmo entendimento”, pontua Faria.
LGPD
Foi pensando nas novas formas de relacionamento promovidas por mudanças culturais consequentes da democratização do uso das redes sociais e aplicativos de comunicação, tais quais o whatsapp, e também na segurança dos dados compartilhados na internet, que o Congresso Nacional aprovou, em 2018, a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD).
Em síntese, a LGPD (Lei 13.709, de 2018) garante maior controle dos cidadãos sobre suas informações pessoais, exigindo consentimento explícito para coleta e uso dos dados e obriga a oferta de opções para o usuário visualizar, corrigir e excluir esses dados. A lei também proíbe, entre outras coisas, o tratamento dos dados pessoais para a prática de discriminação ilícita ou abusiva. Esse tratamento é o cruzamento de informações de uma pessoa específica ou de um grupo para subsidiar decisões comerciais (perfil de consumo para divulgação de ofertas de bens ou serviços, por exemplo), políticas públicas ou atuação de órgão público.
Para a advogada, DPO certificada pela Exin e LGPD Essencials pela Exin, Viviana Melo, a decisão acerca da indenização em casos nos quais não há consentimento na divulgação de conversas “printadas” do whatsapp, está intimamente ligada às disposições da LGPD.
“No meu ponto de vista, esta decisão do STJ relaciona-se com a LGPD na medida em que reconhece o direito de cada um ao sigilo das comunicações em relação às suas informações pessoais. Em outras palavras, como na LGPD, a decisão reconheceu a autodeterminação informativa, ou seja, as informações pessoais pertencem ao seu titular e só podem ser divulgadas com seu consentimento ou com autorização judicial. E, com relação a pessoa física, é importante que ela compreenda o que é a LGPD, seus direitos e deveres, para que se crie uma cultura de proteção de dados. Ou seja, a LGPD visa a proteção de dados e ela só tem eficiência quando se cria uma cultura nesse sentido, isso não está restrito a empresas ou órgãos públicos, isso envolve toda a sociedade”, avalia Melo.
LGPD e empresas
Com as mudanças trazidas pelas novas mídias digitais e tecnologias, a comunicação no ambiente de trabalho via Whatsapp, voltada à resolução de assuntos profissionais, tornou-se comum. Muitas pessoas utilizam o aplicativo e outros dispositivos de envio de mensagens, seja para gerenciar negócios próprios – no caso dos Microempreendedores Individuais (MEIs) – ou mesmo em participações nos grupos criados pelos membros das empresas. No entanto, ainda não há consenso sobre os limites do uso do aplicativo para fins profissionais.
Na pandemia, devido ao isolamento social, o uso do Whatsapp para questões de trabalho tornou-se praticamente indispensável e denotou as substanciais alterações provocadas nas relações de trabalho por causa do uso das novas mídias. De acordo com a advogada Viviana Melo, é preciso pensar em regras e ponderações afim de minimizar desacordos relacionados ao uso de redes sociais como o Whatsapp no ambiente corporativo.
“A adequação das empresas à LGPD avalia todas as formas de comunicação que de alguma forma utiliza dados pessoais. Assim, certamente serão analisados os usos do Whatsapp principalmente em grupos corporativos, afim de evitar constrangimentos e problemas trabalhistas. Ou seja, criam-se processos e regras, inclusive para o uso de grupos de Whatsapp porque a partir do momento que alguém deixar de observar a norma, já pode ser punido em razão disso. Assim a empresa demonstra que teve a boa fé de criar regras em relação ao uso do Whatsapp, isso é muito importante. Em relação a pessoa física é sempre importante não manter informações sigilosas, como dados pessoais, arquivadas no aplicativo. É um risco desnecessário. Uma forma de evitar acidentes no uso do Whatsapp é colocar uma dupla verificação de senha, isso traz mais segurança ao uso do aplicativo”, orienta a advogada.
Confira dicas que podem auxiliar na comunicação via Whatsapp
1) Atenção aos horários de envio das mensagens: encaminhe mensagens no horário de trabalho para que as pessoas leiam com atenção o material enviado.
2) Se não é algo urgente ou exige maior formalidade e detalhamento, utilize o email institucional.
3) Cuidado com a linguagem: use uma linguagem objetiva e polida (comunicação não-violenta) e evite mensagens ‘parceladas’, escreva tudo de uma só vez.
4) Cuidado com as letras maiúsculas: elas dão a impressão de agressividade, mesmo não sendo o caso;
5) Linguagem da internet: use com moderação e cuidado. Atenção aos cumprimentos e emojis excessivos;
6) Crie listas de transmissão ao invés de grupos quando for necessário apenas envio de mensagens, mas se precisar criar grupos, adicione somente pessoas da equipe e estabeleça regras claras;
7) Ao compartilhar notícias, primeiro verifique a veracidade da mesma;
8) Mensagens sigilosas ou de teor jurídico não devem ser enviadas pelo Whatsapp;
9) Não se chateie se a resposta não for imediata: outra demanda pode estar em atendimento; Se for urgente, ligue;
10) Evite assuntos polêmicos como política, esporte ou religião em grupos e não faça críticas via mensagens de Whatsapp.
Sobre os entrevistados
Getúlio Faria
Colunista do Em sua Defesa. Advogado atuante no Direito Público, Empresarial e Proteção de Dados e Privacidade. Data Protection Officer (DPO) com certificação internacional da Exin. Membro do Comitê Jurídico da ANPPD e Membro-Associado da APDPO Portugal. Sócio da Faria, Franco e Cicari Advogados Associados e da Expert Brasil Soluções Corporativas.
Viviana Melo
Colunista Em sua Defesa. Advogada, DPO certificada pela Exin, LGPD Essencials pela Exin, membro da IAPP, professora, palestrante e consultora em Proteção de Dados.