O instituto da Recuperação Judicial, instituído pela Lei 11.101/05, que regula também a Recuperação Extrajudicial e a Falência, começou a vigorar exatamente no dia 09 de junho de 2005, com a finalidade de substituir com muitas vantagens o já falido instituto da Concordata Preventiva, então previsto pelo Decreto-Lei número 7.661, de 1945, o qual vigorou durante 60 (sessenta anos).
Mas, quais são os legitimados para requererem e usufruírem dos benefícios da Recuperação Judicial?
Diz a Lei 11.101/05, em seu artigo 1º, que os destinatários do instituto da Recuperação Judicial são os empresários (individuais) e as sociedades empresárias, os quais passariam a ser denominados de devedor. E que o objetivo deste instituto é
“…viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica”. (art. 47).
A par deste objetivo, impôs a Lei 11.101/05 ao devedor recuperando (empresários individuais e sociedades empresárias), algumas exigências, as quais, por óbvio, não são privilégio de todos. Por exemplo, o exercício da atividade por no mínimo dois anos devidamente comprovados com o registro na respectiva Junta Comercial do Estado. Para os produtores rurais, tanto pessoa física quanto sociedades empresárias, o registro na Junta Comercial pode ser feito até antes do ajuizamento e a comprovação do exercício da atividade por mais de dois anos pode ser feita por qualquer meio de prova em direito admitida (decisão recente do STJ).
Preenchidos os requisitos iniciais e ajuizado o pedido de Recuperação Judicial, e se a documentação encontrar-se em termos, o juiz do feito defere o processamento da Recuperação Judicial, abrindo ao credor prazo para apresentação do Plano de Recuperação Judicial e, posteriormente, para os credores, prazo para objeção ao citado Plano. Se esta última é exercida por qualquer credor, diz a Lei, o juiz do feito, necessariamente, terá que designar Assembleia Geral de Credores, onde as 4 (quatro) possíveis classes de credores (a) trabalhistas e decorrentes de acidentes do trabalho; b) com garantia real; c) quirografários, com privilégio geral, privilegio especial e subordinados; e, d) credores decorrentes de Micro Empresa e Empresa de Pequeno Porte), terão a oportunidade de a) aprovar o plano; b) modifica-lo, com a aquiescência do devedor recuperando; ou, c) rejeitá-lo.
Se aprovado o plano, o Administrador Judicial (que é quem preside a mencionada assembleia geral de credores), relata tudo em ata e a remete ao juízo do feito para, estando tudo em conformidade com a Lei, vai, por fim, conceder a Recuperação Judicial. Não aprovado o plano, diz a Lei, o juiz decretará a falência daquele devedor.
Entretanto, mais uma exigência legal surge nesta oportunidade, qual seja, a prevista no artigo 57 da Lei de regência:
“…o devedor apresentará certidões negativas de débitos tributários…” (grifamos).
Embora esta exigência já exista desde a vigência da Lei 11.101/05, prevista também no Código Tributário Nacional em decorrência da Lei Complementar número 118/2005, a mesma não era aplicada frente à inexistência de Lei específica, segundo entendimento uniforme do Superior Tribunal de Justiça. Porém, a mencionada Lei específica foi editada (Lei nº 13.043, de 13 de novembro de 2014), e começou a vigorar na mesma data. A partir daí, alguns Tribunais Estaduais entendiam que a concessão dependia das citadas certidões, e outros não.
Interessantes decisões, que em princípio parecem contraditórias, surgiram recentemente no mundo jurídico, sendo uma do Superior Tribunal de Justiça e a outra do Supremo Tribunal Federal.
Na primeira, a Ministra do STJ, Nancy Andrighi, decidiu
“…que está firmado entendimento de que a certidão negativa deve ser exigida em momento anterior à concessão da recuperação judicial, que, no caso, foi concedida há mais de 10 anos, sendo inadmissível aplicar os efeitos da Lei 13.043, de 2014, para cancelar os efeitos da decisão de concessão do benefício”. (grifamos).
Para um melhor entendimento da questão, na Recuperação Judicial o juízo de origem homologou a proposta de alienação de um parque fabril sem a exigência de apresentação das certidões de regularidade fiscal. A Fazenda Pública interpôs agravo de instrumento contra a decisão interlocutória. O TJRS negou provimento ao recurso asseverando a possibilidade de relativização do artigo 57 da Lei de Recuperação Judicial (Lei n. 11.101/05), que exige a apresentação das certidões negativas de débito após a aprovação do plano pela assembleia de credores. O acórdão mencionou, ainda, que a decisão não acarreta anistia dos débitos porque esses podem ser executados de forma independente, conforme os artigos 6º e 7º da referida Lei.
A decisão demonstrou, ainda, que a exigência contraria a finalidade da recuperação judicial no sentido de reerguer a recuperanda, bem como fere o princípio da preservação da empresa. Por conseguinte, a Fazenda Pública interpôs Recurso Especial alegando que a concessão da Recuperação Judicial depende da apresentação das certidões de regularidade fiscal. O MPRS interpôs o mesmo recurso sob argumento de que foram violados os artigos 57 da Lei 11.101/05 e 191-A do Código Tributário Nacional.
Distribuído o Recurso Especial no STJ à Ministra Nancy Andrigui, a mesma relatou que a Recuperação Judicial foi requerida no ano de 2006 e, deferida, teve sentença extintiva em 2008. A assembleia de credores foi convocada em 2015 para readequar o plano apresentado com proposta de alienação de um parque fabril para quitar dívidas não fiscais, sendo aprovada e homologada em juízo, sem qualquer exigência de apresentação das certidões negativas de débito.
A Ministra ressaltou que a exigência das certidões é imprescindível para a concessão da recuperação judicial, entretanto, não antes da vigência da Lei 13.043 de 2014 que incluiu o parcelamento de débitos tributários nesses casos.
Já o Ministro Luiz Fux, Presidente do Supremo Tribunal Federal, em despacho liminar ao Recurso interposto pela Procuradoria da Fazenda Nacional, lembrou que, com a aprovação no último mês de abril da Lei nº 13.988/2020, conhecida como Lei do Contribuinte Legal,
“é possível vislumbrar, em âmbito federal, a expedição da certidão de regularidade fiscal ao devedor que realiza a transação tributária com o Fisco nos termos da nova lei”. (grifamos).
A Lei do Contribuinte Legal regulamentou o “acordo de transação”, instituto que permite às empresas em dificuldades, inclusive àquelas em vias de ingressar com pedido de recuperação judicial, renegociarem suas dívidas junto à União, com a possibilidade de parcelamentos e descontos diferenciados, além da emissão da CND.
Tais esclarecimentos são necessários ao correto entendimento, vez que, da forma que veio ao conhecimento de todos, tinha-se a impressão de que ambos os Tribunais (STF e STJ) decidiam a mesma questão por ângulos diferentes, quando, na realidade, verdade é outra.