Os influenciadores digitais voltados às finanças se tornaram um dos principais canais de informação do mercado com o aumento explosivo no interesse dos brasileiros pelo tema dos investimentos nos últimos anos.
O número de investidores que são pessoas físicas na Bolsa saltou de aproximadamente 700 mil CPFs em meados de 2018, para 4,4 milhões em junho de 2022, em um período em que a Selic, a taxa básica de juros, encostou na mínima histórica de 2% ao ano, embora já tenha voltado aos 13,75% ao ano.
Para atender a demanda crescente por assuntos relacionados a finanças e investimentos, os influenciadores se dedicam à produção de vídeos, postagens e interações com milhões de seguidores.
Estudo elaborado pela Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais) para dimensionar a atuação dos influenciadores mostra que os seis canais digitais de maior alcance nas redes sociais –O Primo Rico, Me Poupe!, Riqueza em Dias, Nathália Arcuri, Gustavo Cerbasi e Bruno Perini– somam cerca de 37,4 milhões de seguidores, que foram conquistados ao longo dos últimos anos. O canal O Primo Rico, por exemplo, foi criado em 2015 e o de Gustavo Cerbasi surgiu no ano seguinte.
Os dados da Anbima identificaram 255 influenciadores digitais voltados à temática financeira no primeiro semestre de 2022, que alcançam cerca de 94,1 milhões de seguidores. O número, contudo, não significa necessariamente 94,1 milhões de pessoas, uma vez que cada usuário pode seguir o mesmo personagem em diversas redes sociais.
“Não tem como a gente negar que eles vieram para ficar e têm um papel bastante relevante nesse cenário”, diz Amanda Brum, gerente executiva de comunicação, marketing e relacionamento com associados da Anbima. Ante o primeiro levantamento realizado pela associação, em setembro de 2020, houve um crescimento de 27% no número de seguidores.
Segundo o levantamento, ao todo, os influenciadores fizeram quase 190 mil publicações no primeiro semestre deste ano, ou cerca de 31,3 mil posts por mês, com uma média de 1,3 mil interações a cada postagem feita.
O estudo mostra também que, em termos de volume de publicações, o mercado de ações é o líder absoluto, com 48,2% do total, quase cinco vezes maior do que o segundo mais popular, que são as criptomoedas.
CVM acompanha mercado para evitar práticas irregulares
Frente ao crescimento do mercado de influenciadores digitais, a CVM (Comissão de Valores Mobiliários) entendeu ser necessária uma fiscalização sobre a atividade, de modo a coibir práticas que possam ser consideradas irregulares, como a recomendação de investimentos por pessoas que não tenham certificação.”
Há situações em que é possível observar, por exemplo, influenciadores digitais atuando de forma a realizar análises de investimento e recomendações. Esta ação pode, inclusive, promover disfunções no funcionamento do mercado de capitais”, aponta a CVM em nota enviada à Folha.
Segundo a autarquia, a intenção não é tolher o exercício da liberdade de expressão de ninguém, desde que não sejam invadidos os perímetros de atuação dos agentes regulados do mercado. Os influenciadores disseram que a atuação da CVM no universo digital é positiva.
“A CVM não quer que se fale em recomendações e quer evitar que o investidor seja enganado com pirâmides absurdas que vemos na internet. Não vejo a atuação da autarquia como algo ruim”, diz Carol Dias.
Gustavo Cerbasi afirma que considera a atuação da CVM “necessária, urgente e fundamental para que a educação financeira tenha mais qualidade no Brasil”.
“O aumento expressivo de influenciadores digitais é positivo, ao disseminar conteúdos sobre educação financeira para um universo maior de pessoas, mas também traz riscos, com influenciadores que talvez não tenham o preparo necessário para divulgar os conteúdos para milhões de seguidores”, diz o especialista.
Thiago Nigro, 32: fundador do canal ” O Primo Rico”, Thiago Nigro é hoje o maior influenciador digital de finanças do país em número de seguidores, com cerca de 13,1 milhões no Twitter, Instagram, Facebook e YouTube.
Ele diz que, como a maioria dos brasileiros, não teve educação financeira dentro de casa quando jovem, e passou a se interessar pelo mercado ao enxergar ali a oportunidade de conquistar a própria liberdade financeira.
Nigro deu os primeiros passos na área atuando em escritórios de assessores de investimento, o que lhe deu a base para que, em 2015, criasse o canal “O Primo Rico”.
Segundo ele, enquanto nos escritórios as conversas eram restritas a um público relativamente pequeno, de investidores com grandes valores, na internet, o público que pode ter acesso aos conteúdos sobre educação financeira é exponencialmente maior.
“Na época que comecei a postar os primeiros vídeos o mercado ainda era incipiente, os vídeos tinham poucas visualizações, mas sempre acreditei na educação como uma ferramenta para ajudar as pessoas”, diz o influenciador de 32 anos.
Além de publicações nas redes sociais, em que aborda temas relativos a investimentos e finanças pessoais, empreendedorismo e até espiritualidade, Nigro também produz cursos, treinamentos e, em 2018, publicou o livro “Do Mil ao Milhão, sem Cortar o Cafezinho”, que esteve entre os mais vendidos do país nos últimos anos.
Atualmente, o influenciador abarca todos os negócios, que inclui uma plataforma de investimentos dentro de uma empresa chamada “O Grupo Primo”, com uma equipe com 200 funcionários.
O faturamento alcançado pelo grupo no ano passado foi de R$ 130 milhões. Ele não abre a projeção para 2022, mas diz que já ultrapassou o valor de 2021.
Gustavo Cerbasi, 48: especialista em inteligência financeira e sócio da plataforma “SuperRico Projetos de Vida”, é um dos precursores no mercado de educação financeira no país, autor de livros como “Casais Inteligentes Enriquecem Juntos”, que inspirou o filme “Até que a sorte nos separe”.
Gustavo Cerbasi tem 3,6 milhões de seguidores nas redes sociais, que conseguiu reunir desde 2016, e recentemente lançou a plataforma “SuperRico Projetos de Vida”, cuja proposta é conectar planejadores financeiros com pessoas em busca de aconselhamento para lidar melhor com o próprio dinheiro.
Segundo Cerbasi, mais do que tratar de alternativas de investimento, o principal foco nas publicações que faz nas redes é trabalhar aspectos comportamentais, que ajudem as pessoas a vencer os bloqueios e as dificuldades para lidar com o dinheiro.
“Parece fazer muito sentido, por exemplo, que investir um pouquinho do salário ao longo do tempo vai trazer uma grande liberdade, mas muitas pessoas não conseguem manter essa disciplina”, diz.
Ele afirma que não considera, nem de longe, investimentos o assunto mais importante quando se fala de finanças. “Diria que o investimento é a cereja do bolo, já é a sofisticação dentro de uma estratégia bem sucedida.” No entanto, se a pessoa não tem uma estratégia definida, não há investimento no mundo que vai conseguir levá-la aos resultados que espera, diz Cerbasi.
Charles Mendlowicz, 45: fundador do canal “Economista Sincero”, criado em meados de 2019, tem cerca de 1,5 milhão de seguidores nas redes sociais. Embora não esteja entre os influenciadores com o maior público, desponta como o primeiro no ranking elaborado pela Anbima para classificar os principais influenciadores digitais de finanças do mercado.
O levantamento não considera apenas os valores absolutos do total de seguidores, mas também critérios como o nível de engajamento dessa base, a frequência de publicações e a propriedade que os influenciadores têm na abordagem dos temas.
Mendlowicz avalia que tratar de temas do cotidiano das pessoas, como as compras no supermercado ou a parada no posto para encher o tanque de gasolina, faz com que os seguidores se vejam representados naquelas mesmas situações em seu dia a dia.
“Quanto mais as pessoas entenderem que a nossa vida é igual a delas, maior é o engajamento”, diz o influenciador. Mendlowicz considera ter um perfil diferente da maior parte dos influenciadores digitais, com a base de seguidores formada em grande parte por pessoas com uma faixa etária mais parecida com a sua.
São pessoas que também não tiveram acesso à educação financeira quando mais jovens e que só agora passaram a ter conhecimento sobre as possibilidades que podem ser acessadas por meio de bancos e plataformas de investimento, sem a necessidade, por exemplo, de um valor elevado para investir em ações, fundos imobiliários ou até no exterior, afirma o economista formado pela UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro).
Carol Dias, 34 : fundadora do canal “Riqueza em Dias”, trabalhou como assistente de palco na televisão, no programa “Pânico”, antes de passar a atuar como influenciadora digital, no final de 2019.
Em um universo predominantemente masculino, desponta como uma das principais vozes femininas dessa base digital, com quase 7 milhões de seguidores, a grande maioria deles no Instagram. Ela diz que seus seguidores nas redes têm entre 20 e 40 anos e cerca de 30% são mulheres.
A ex-panicat afirma que chegou a sofrer preconceito de pessoas que menosprezaram sua nova carreira, mas que, apesar das dificuldades, nunca pensou em desistir da empreitada na área digital. Ela diz que tem como maior propósito ajudar o brasileiro a entender o valor do dinheiro para ter um futuro mais tranquilo financeiramente com a formação de uma poupança previdenciária.
De uma família de classe média, a influenciadora conta que, na adolescência, viu o pai passar por sérios apuros financeiros, o que acabou contribuindo para que, desde jovem, tivesse noção da importância da organização financeira para ter uma boa qualidade de vida mais à frente.
“Existia e ainda existe até hoje uma percepção por parte de algumas pessoas de que os investimentos são só para pessoas milionárias, mas hoje o brasileiro tem percebido que isso não é verdade”, diz a influenciadora.