Por Hanna Mtanios
Recente decisão da 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) mexe consideravelmente com o instituto da Recuperação Judicial (RJ). O Tema (987), sobre o qual o STJ deu seu posicionamento, versa sobre a possibilidade de constrição e penhora de bens de empresas em recuperação para fins de execução fiscal.
O Tribunal acumulava milhares de recursos judiciais acerca do tema, e decidiu que sim o juízo fiscal pode determinar a constrição de bens, o que, a nosso ver, coloca em risco o próprio processo de recuperação das empresas. Em certo sentido, a decisão chega a colocar em risco o próprio fundamento da RJ, que é de, efetivamente, recuperar as empresas e torná-las novamente solventes, competitivas, e contribuir assim com a economia do país.
A Recuperação Judicial é um processo muito particular, regulado por Lei própria, instituto já bastante estabilizado em nosso país e é de importância fundamental para tentar evitar falências de empresas em momentos difíceis para a economia. A RJ busca tentar soerguer as empresas, preservar a produção, a circulação de bens e serviços, manter empregos e rendas e assim manter a economia do país nos trilhos.
Por essa particularidade, o juízo que aprova o pedido de RJ, o posterior plano de recuperação, e decide sobre todos os movimentos do processo, o chamado “juízo universal”, é quem acompanha de perto e conhece minuciosamente a situação de cada empresa recuperanda sob sua tutela judicial.
Por outro lado, os temas fiscais sempre estiveram apartados da seara da RJ e assim se manteve com a nova Lei de Falências (n° 14.112/2020), mas havia um impasse até aqui sobre a possibilidade de execução fiscal das empresas recuperandas, justamente pela delicadeza da situação e do tema.
Com a atual decisão do STJ reafirmando a competência do juízo fiscal para constringir e penhorar bens das empresas em RJ, a coisa pode desandar bem. Isso porque o juízo fiscal não conhece a real situação das empresas em recuperação e com sua decisão pode colocar em risco o pouco de solvência que resta às empresas, cujo funcionamento e produtividade estão a serviço de honrar os compromissos com todos os credores (sejam bancos, fornecedores, funcionários e até mesmo o Fisco).
A decisão do STJ impede que o “juízo universal” da RJ desfaça o ato do juízo da execução fiscal, podendo, no máximo, substituir os bens sobre os quais recairia a constrição fiscal, caso elas caiam sobre bens essenciais à manutenção das atividades da empresa.
Ora, mas justamente por estar em RJ a imensa maioria das empresas sofre com a disponibilidade de bens e, via de regra, a substituição não será possível. O que significa dizer, sem meias palavras, que a possibilidade da execução fiscal poderá significar a impossibilidade de recuperação das empresas, levando assim à falência. Tal decisão é, na prática, contrária à Recuperação Judicial, afetará diretamente milhares de empresas e coloca em risco a produtividade em nosso país e, portanto, nossa economia.
Hanna Mtanios
Advogado especialista em Direito Empresarial e em Recuperação Judicial. É também Cônsul Honorário do Líbano em Goiânia.