Karine Rodrigues e Izabella Pavetits
Que atire a primeira pedra quem nunca ficou ansioso ao encontrar a mensagem “O produto saiu para entrega” em uma plataforma de rastreamento de pedidos online. O jovem publicitário Gabriel Araújo [foto em destaque] representa bem a geração que começou a comprar pela internet antes mesmo de atingir a maioridade. Ele conta que fez a primeira compra aos 15 anos, uma camisa de time de futebol, e daí em diante nunca mais parou. O ano foi provavelmente 2009 e, nesta época, o e-commerce brasileiro ainda estava se firmando. A compra deu certo e o adolescente teve o apoio dos pais, que o orientaram para seguir neste caminho. Hoje, Gabriel está montando um apartamento e afirma que grande parte das compras é feita pela internet. Ele aponta os vários motivos: preço mais baixo, maior variedade, mais comodidade. “Além disso, tenho usado muito o cashback que as lojas virtuais oferecem. Então você vai somando uma série de coisinhas que tornam a experiência mais prática e melhor”, explicou.
Assim como Gabriel, são milhões de brasileiros que preferem comprar online às lojas físicas. Segundo relatório da Associação Brasileira de Comércio Eletrônico (ABComm), em 2022, as vendas totais registradas no e-commerce brasileiro atingiram o montante de R$169,6 bilhões. Para 2023, a expectativa é de chegar aos R$186 bilhões, o que representa um acréscimo de 9,5% em relação ao ano passado.
Para o vice-presidente da ABComm, Rodrigo Bandeira, esse volume de negócios tende a crescer ainda mais, pois o Brasil ainda não chegou ao patamar de maturidade econômica, principalmente quando se fala de compras na internet. Ele acredita que, para atingir os melhores negócios, as grandes empresas e ecossistemas de vendas digital precisam investir em didática e conteúdo. “Conteúdo é a diferença. Hoje, as empresas estão preocupadas em criar modernos canais de compras e isso atende um público que já é acostumado com o comércio virtual. A partir do momento que o foco se voltar para quem nunca comprou ou tem dificuldade de comprar, os números tendem a evoluir mais”, explica.
Bandeira acredita que a internet precisa se tornar um meio mais convidativo, simples e didático para o consumidor. O canal já tem vantagens imensas, opina ele, porque elimina a barreira social. Isto é, se a pessoa tem o recurso financeiro, pode comprar na loja que quiser, quando e na hora que desejar, sem se preocupar com a própria aparência. “Na internet, vale o quanto eu quero e o quanto eu posso pagar para comprar e, a compra vai ser feita. A arquitetura dos lugares, dos shoppings, das lojas, de cara seleciona o público. A internet é livre dessa seleção”, completa.
A NovoMundo.Com, anteriormente apenas Novo Mundo, é testemunha da relevância do e-commerce para o mercado brasileiro. A rede varejista é um dos principais players do varejo no Centro-Norte brasileiro e hoje, após três anos da implementação de seu novo modelo de negócio, se diz 100% multicanal. É a integração entre o digital e as lojas físicas como estratégia.
“Tivemos que fazer uma transformação profunda no nosso modelo operacional para termos capacidade de enfrentar marketplaces, varejistas regionais e nacionais em produto, serviço e preço. Para nós, a multicanalidade bem executada, partindo de um modelo estratégico, pode sim trazer resultados e deixar a empresa altamente competitiva”, revela o CEO, José Guimarães.
O investimento na modernização tecnológica, que veio acompanhado inclusive por reposicionamento da marca, nasceu da necessidade de entregar a melhor experiência de compra gerando o menor custo operacional possível. Conforme conta Guimarães, ainda em 2002, a rede goiana foi uma das primeiras do segmento a implantar um e-commerce e começou sua atuação multicanal em 2015. No ano de 2020, todas as lojas físicas da NovoMundo.Com passaram a ofertar o mesmo preço que o canal digital.
“Além disso, contamos hoje com um marketplace composto por sellers regionais e nacionais, estrategicamente posicionados para complementar nosso mix”, acrescenta o CEO. Atualmente, adiciona o executivo, as negociações pelo site representam quase 40% das vendas e contribuem para que a NovoMundo.Com ganhe share em todas as regiões onde atua.
Segurança x inadimplência
A primeira coisa que a educadora física e pequena empresária Mirian de Carvalho comprou na internet, em março de 2013, foi um pen drive. “Comprei um item relativamente barato justamente para fazer a experiência, para saber se ia chegar direitinho. Para minha alegria, chegou dentro do prazo, em perfeito estado, e foi daí que comecei minha jornada de compras pela internet”, relata.
Este ano, Carvalho concluiu a montagem do seu apartamento em Aparecida de Goiânia e estima que 99% dos objetos, móveis e eletrodomésticos do seu lar foram comprados online. A quantidade de itens adquiridos virtualmente também é consideravelmente alta quando ela leva em conta a academia que é proprietária – a lista vai de pesos e anilhas a aparelhos de ar condicionado e informática. “Temos maior variedade de produtos, a possibilidade de troca e devolução são mais eficazes, além de ser muito mais seguro”, considera.
A professora e doutora em Direito Eliane Romeiro também é adepta das compras na web. Como uma leitora contumaz, aproveita, segundo ela, a vasta disponibilidade, seja em produtos novos ou usados, facilidade e segurança na aquisição, para comprar vários livros pela internet. Sua primeira compra? Foram roupas em um outlet virtual, há aproximadamente dez anos. Como especialista em leis, comenta que, hoje, se sente mais segura em fazer as compras e investe em desde itens de supermercado até apliques de cabelo para o carnaval.
Essas percepções positivas, no decorrer dos anos, fizeram com que o e-commerce brasileiro tivesse um salto em crescimento. Na avaliação do consultor do Comitê de Meios de Pagamento e Antifraude da Câmara Brasileira da Economia Digital (camara-e.net) Gerson Rolim, o comércio online brasileiro é muito mais confiável, seguro e oferece melhores oportunidades para consumidores e empresários do que há alguns anos.
Isso porque, ressalta o consultor, o mercado tem investido em tecnologias e práticas para proteger os dados e as transações dos consumidores, o que cria um ambiente de confiança para os mesmos. “Além disso, o e-commerce brasileiro oferece um grande potencial para consumidores e empresários. Para os clientes, a possibilidade de comprar produtos e serviços de forma rápida, fácil e segura. Para os empresários, uma oportunidade de alcançar novos mercados e aumentar as vendas”, pondera.
Para ilustrar seu ponto de vista, Rolim menciona o gMaturity, índice do Google que mede o grau de maturidade digital de grandes empresas. No Brasil, em 2022, seis em cada dez empresas alcançaram estágios mais avançados de maturidade digital. Esta é a primeira vez que o número de negócios com maior grau de maturidade digital superou o de empreendimentos com menor grau.
Por outro lado, se a segurança traz benefícios para o consumidor, a facilidade para comprar pode gerar um consumo desregrado e provoca a inadimplência. A superintendente executiva da Câmara de Dirigentes Lojistas de Goiânia (CDL Goiânia), Hélia Gonçalves, reitera que uma maior segurança nas compras e uma oferta maior de meios de pagamentos como o recente pix, as vendas por QR Code, o cartão de crédito e débito e até o boleto, geram oportunidades sem igual para as empresas, de qualquer tamanho.
Porém, o uso desenfreado, principalmente do cartão de crédito, tem gerado muita inadimplência, como revela a pesquisa da Confederação Nacional do Comércio (CNC) para a Federação do Comércio de Goiás (Fecomércio Goiás). A última edição disponível, de agosto de 2023, entrevistou 17.800 famílias goianas e mostra que, deste universo, 77,4% estão endividadas em algum nível, sendo 85,5% das dívidas contraídas por cartão de crédito. Gonçalves diz que se trata de um problema estrutural, de falta de educação financeira, que impacta em toda relação de consumo, tanto do consumidor com o dinheiro, com as suas compras e do controle de orçamento doméstico.
Gonçalves lembra que o fim do ano representa um momento de aquecimento para o comércio, tanto pela Black Friday quanto pelo Natal, e ressalta a oportunidade trazida pelo Desenrola Brasil, do Governo Federal. Na visão da executiva da CDL Goiânia, o programa trouxe benefícios para todos, pois tendo a capacidade de crédito de volta, o consumidor pode voltar às compras e movimentar o comércio. Mas ela alerta: o Desenrola sana um problema pontual. “É importante pensar em longo prazo. Não adianta tapar ferida com um curativo e não dar educação financeira”, alega.
A volta das lojas físicas?
A microempresária Thaissa Holzlsauer do Vale abriu, neste mês de outubro, o Café Dulce Frida, um espaço charmoso e acolhedor que fica dentro de uma livraria. Muito de tudo que há no café, do mobiliário aos insumos, foi comprado online. Porém, Thaíssa diz que há produtos cuja compra é necessário fazer presencialmente.
“Desde a pandemia, direciono minhas compras para o online por uma série de motivos, mas há objetos, itens, que precisamos tocar, sentir e ver de perto. Por exemplo, as louças do café. Eu preferi comprar em lojas físicas”, resumiu. Na visão da microempresária, as lojas que conseguirem se adaptar e utilizar tanto a sua estrutura física quanto um e-commerce vão sair na frente.
O CEO do Novo Mundo, José Guimarães, disse que planejar e executar a melhor jornada para o cliente é o que tem feito a NovoMundo.Com ter um crescimento consistente e fazer com que sua entrega de valor seja diferente. Ou seja, as vendas online continuam fortes, mas há um movimento crescente nas vendas das lojas físicas. “O cliente já sabe o que quer, preço, mas busca essa jornada de atendimento, essa experiência de compra que só o presencial pode proporcionar”, diz.
O vice-presidente da ABComm, Rodrigo Bandeira, chama atenção para o reaquecimento do comércio físico após a pandemia. Ele argumenta que é preciso pensar no futuro do comércio, o qual acredita que será muito mais focado em serviços e não na venda de produtos.
As grandes marcas e as redes estão partindo para aquela jornada de consumo onde se oferece a possibilidade do consumidor que ele quer. Mas essa jornada só se ampliou para quem já é consolidado. “Na realidade para se ter essa comunicação e integração entre o site e a loja física, ainda é um pouco cara para as empresas menores, mas a tendência é que isso se popularize. Aí as pessoas vão ter essa múltipla possibilidade de comprar”, destaca.
Oportunidade à vista: vem aí a Black Friday
A superintendente executiva da CDL Goiânia, Hélia Gonçalves, diz que, em Goiás, como em outras partes do País, há um grande número de pessoas dispostas a comprar na Black Friday. De acordo com ela, a data já tem um peso para o comércio, a ponto de ser a segunda melhor data para o varejo do segundo semestre – atrás apenas do Natal. “Trata-se de uma oportunidade para escoar o estoque, dar um movimento e até impulsionar as vendas para o Natal”, acrescenta. A executiva explica que as expectativas para este ano são bem melhores do que ano passado, pois na última sexta-feira de novembro de 2022, o Brasil estava em clima de Copa do Mundo e os jogos tiraram a atenção dos consumidores para a data. “Este ano a Black Friday não está vinculada a nenhum evento, estamos em meio a uma recuperação econômica, juros em queda e bons indicadores de emprego. Todos esses fatores aliados podem ser um bom indicador”, diz.
A estimativa da ABComm é de que, no Brasil, a Black Friday deve chegar à marca de R$7,1 bilhões de faturamento no comércio eletrônico, aumento de 17% na comparação com o ano anterior. A entidade aponta os eletrônicos, eletrodomésticos e moda, o segmento de perfumaria, cosméticos e beleza está entre os que mais cresceram em número de buscas nos últimos meses. E uma pesquisa divulgada pelo Google informa que as buscas pela data no Brasil cresceram 24% na comparação com 2022. O levantamento revela ainda que 67% dos brasileiros pretendem fazer compras durante a Black Friday e que sete em cada 10 consumidores pretendem gastar igual ou mais do que no ano anterior. Além disso, a maioria dos consumidores, em média 91%, vão usar plataformas online para consultar preços, descontos e produtos.
Desde a primeira edição brasileira da Black Friday em 2010, o comércio online foi efetivamente um fator determinante para o sucesso da Black Friday no Brasil, opina Gerson Rolim da Câmara-e. Após 13 anos, ele diz que já é possível afirmar que a data é uma tradição no comércio eletrônico brasileiro e se posiciona como maior sazonalidade de vendas do e-commerce do País. “O aumento do consumo é impulsionado por fatores como a recuperação econômica, o crescimento da confiança dos consumidores e a maior oferta de produtos e serviços com descontos”, explica Rolim.
Para o CEO da Novo Mundo há mais fatores positivos do que negativos para as vendas no quarto trimestre deste ano e a Black Friday é uma das apostas da rede varejista. “A Black Friday é um momento de busca por produtos desejados com preços e condições mais atraentes. Como trabalhamos a multicanalidade, nosso cliente sabe que terá boas ofertas tanto na loja física quanto no site. Nossa expectativa é de boas vendas com uma projeção de 5% de crescimento”, destaca ele.
Apesar das boas projeções das entidades e do varejo no geral, todos os consumidores entrevistados para esta matéria estão receosos com a Black Friday e afirmaram que não se preparam para aproveitar o período de ofertas. Eles afirmam que nunca (isso, mesmo nunca) visualizaram descontos significativos na época. Consumidores ativos, os adeptos de longo tempo ao varejo digital consultados julgam que a Black Friday pode ser uma opção de descontos reais e significativos nos Estados Unidos e Inglaterra, mas, aqui no Brasil, a data “ainda tem muito o que melhorar”.