Campo Grande Empresas (MS) – A batalha comercial entre Brasil e China envolvendo as exportações de carne bovina se estende há quase um mês e amplia a incerteza entre os pecuaristas. Para o consumidor, a queda abrupta no preço da arroba do boi ainda não gerou impacto significativo no preço da carne bovina nos açougues.
Desde a véspera do embargo chinês à carne brasileira, em 2 de setembro, a arroba do boi caiu mais de R$ 40, despencando de R$ 330 para R$ 286,50 (cotação de ontem em Campo Grande, da Scott Consultoria).
A reclamação no campo é de que está faltando empenho da diplomacia brasileira em acelerar na resolução da questão.
Do lado chinês, especialistas veem uma suspensão estratégica do maior comprador de carne bovina do Brasil para forçar uma queda no produto para compras futuras, quando o embargo for levantado.
Procurado pelo Correio do Estado, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) informou que cabe apenas ao país asiático levantar o embargo e retomar as importações da carne brasileira.
“Não temos como estabelecer uma data para a retomada das exportações de carne bovina para a China, pois a decisão não cabe ao governo brasileiro. Temos acompanhado de perto e com preocupação a situação dos frigoríficos”, informou o Mapa.
As exportações de carne do Brasil para a China foram suspensas no início de setembro, no dia 4, depois que o Ministério da Agricultura confirmou dois casos atípicos do mal da vaca louca (EEB), em Minas Gerais e em Mato Grosso.
No acordo de exportações entre os dois países, há uma cláusula que determina a suspensão automática do envio da proteína quando um caso da doença – ainda que atípico, que não gera dano algum ao consumidor – é confirmado.
“Nesse mesmo protocolo, não estão definidos os passos para a retomada do comércio. Assim, da forma como está acordada hoje, a decisão cabe à China. A revisão do protocolo, iniciada em 2019, é um dos muitos temas sobre a mesa em negociação entre os dois países”, complementou o Mapa, em nota.
No mercado, a incerteza permanece. Isso porque, se a China não levantar o embargo nesta sexta-feira (1º), só deve analisar tal decisão depois do dia 8, uma vez que o país terá um feriado nacional de sete dias.
A Argentina também enfrentava uma suspensão da compra de carnes pelos chineses neste mês. Mas o comércio foi retomado ontem.
TAMANHO DO PROBLEMA
Gigantesca, assim como os dois países, a parceria comercial entre o Brasil e China sofre impactos na mesma proporção sempre que é abalada. E nesta suspensão de envio de carne brasileira para o país asiático não foi diferente.
As vendas da carne bovina para a China equivalem à metade da receita das exportações do produto deste ano e a 46,8% do volume. A diferença entre receita e volume ocorre porque os chineses pagam um preço acima do valor de mercado pela carne brasileira.
Somente neste ano, a receita com exportações de carne para a China somou US$ 3,13 bilhões, metade dos US$ 6,26 que os frigoríficos brasileiros receberam por todas as exportações no ano.
O volume desta venda aos chineses foi de 600,5 mil toneladas. No ano, o Brasil vendeu para o mercado externo 1,28 milhão de toneladas. Os dados são da Associação Brasileira de Frigoríficos (Abrafrigo).
Esse número pode ser ainda mais potencializado se computado o mercado de Hong Kong, cidade autônoma chinesa, para onde são destinados 12,2% do volume exportado e de onde se obtém 9,5% da receita com exportações.
Da cidade chinesa, parte da carne brasileira é reenviada para outras regiões do gigante asiático.
Para o economista Michel Constantino, a restrição das compras de carne brasileira pela China vai além de eventuais problemas sanitários.
“As informações mostram que mais parece um embargo político do que sanitário, pois a Organização Mundial da Saúde Animal [OIE] deu parecer favorável à queda da barreira, pois, são apenas dois casos atípicos do mal da vaca louca registrados, em Minas Gerais e Mato Grosso”, comentou.
PREÇO
O economista Eugênio Pavão explica por que o preço da arroba despencou no Brasil desde que a China suspendeu as exportações. “Esse cenário provoca a queda do preço da arroba, pois parte dos bovinos que dariam origem à carne exportada não será abatida, levando à redução dos lucros dos produtores e ao menor abate nos frigoríficos”, explicou.
Sobre a redução do preço da arroba do boi chegar ao consumidor, isso dependerá de duas variáveis, segundo o economista: o tempo que a China levará para voltar a comprar carne brasileira e o período que os produtores nacionais aguentarão ficar sem vender para os frigoríficos no preço atual da arroba.
“Até a solução da questão sanitária, como o mercado interno não paga em dólares, fica adiada a retomada de um volume maior de abates e de uma maior oferta de carne”, analisou Eugênio Pavão.
“Para quem produz conforme os padrões para exportação, o comércio externo é mais interessante, e não o mercado interno, ainda mais com o real desvalorizado e baixa margem de lucro”, complementou.
A maioria dos bois produzidos para o mercado chinês vem de confinamento. Se por um lado os chineses pagam um valor maior pela carne retirada desses animais, por outro, o custo de produção deles é maior.
“No confinamento, a gente trabalha em um sistema de parceria, a gente presta serviço para os pecuaristas. O mercado deu uma esfriada, porque os custos não diminuíram e o preço de venda lá na frente deu uma fraquejada. Então, a entrada de gado deu uma segurada”, conta o veterinário e gerente de confinamento Renan Dela Coleta.
“Na verdade, já estava havendo uma pressão de preço para baixo, porque o consumo do mercado interno caiu demais, aí a China parou de comprar e piorou todo o cenário”, acrescenta.
“A queda da arroba não surtiu efeito no mercado consumidor, pois os pecuaristas estão controlando o estoque, mantendo o gado na alimentação e não levando ao abate. Assim, a oferta interna aumenta um pouco, mas ainda não chega no preço final para o consumidor”, analisou Constantino.