Muitos não compreendem o conceito do ato cooperativo aplicado às sociedades cooperativas. Outros o entendem como favor, privilégio ou benefício fiscal. Nada disso. Proposta pelo jurista mexicano Antonio Salinas Puente em 1954, define o ato cooperativo como o “suposto jurídico, ausente de lucro e de intermediação, que realiza a organização cooperativa em cumprimento de um fim preponderantemente econômico e de utilidade social”.
É um conceito complexo, mas vamos tentar explicar por meio de um exemplo: Um grupo de produtores de cana formam uma cooperativa. Esta recebe o produto primário, agrega valor, transforma em açúcar e, depois, à conta, ordem e beneficio dos produtores que a formam, a cooperativa vende o açúcar no mercado. Os produtores cooperados da cooperativa são donos e usuários desta sociedade.
Como os cooperados investiram coletivamente recursos para criar a usina, a sociedade cooperativa não aufere para ela resultados deste investimento. O valor agregado é distribuído na proporção da cana entregue pelos cooperados, não no volume de capital investido para construir o empreendimento.
No exemplo trabalhado, percebe-se que a cooperativa produtora de açúcar existe para agregar valor à cana do cooperado e permitir que vá ao mercado em condições competitivas. Faz isso para o cooperado ficar com o valor agregado à sua cana pela industrialização.
Em uma empresa de capital atuando no mesmo setor o ato praticado teria outra finalidade. A finalidade seria comprar a cana pelo menor preço, vender o açúcar pelo maior preço possível visando se apropriar da diferença e remunerar o capital dos sócios. Quem tiver mais capital, não importa se produtor de cana ou não, receberia mais. A S.A. visa distribuir a riqueza a quem detém o capital, cooperativa visa distribuir a riqueza a quem entregou a cana, o cooperado. Em termos de produção fazem o mesmo, mas em termos de disponibilidade de renda e finalidade, cooperativa e S.A. são totalmente diferentes.
E quais os efeitos tributários disso? Em ambos os casos, teríamos a mesma operação, transformar cana em açúcar e vender no mercado, mas no ato cooperativo a sociedade não objetiva ficar com o ganho. Desde a entrada da cana já existe o compromisso de repassar os resultados aos cooperados. Portanto, não existindo disponibilidade de renda para a sociedade, não há lucro, não gerando tributos sobre a renda e faturamento da pessoa jurídica, por exemplo. Por conseguinte, as consequências tributárias, se houver, devem recair na figura do cooperado e com a destinação que fará com o resultado recebido.
Além dos efeitos econômicos, tem também efeitos contábeis. As entradas de recursos do ato praticado com seus cooperados na consecução de sua finalidade são contabilizados como ingressos e as saídas como dispêndios, pois são relacionados a movimentações financeiras temporárias. Transitam na cooperativa, mas não pertencem à sociedade. Por outro lado, receitas e despesas são componentes essenciais do processo contábil que determinam o lucro ou prejuízo das demais entidades.
O que mostramos aqui está previsto no parágrafo único da Lei 5764/71: “O ato cooperativo não implica operação de mercado, nem contrato de compra e venda de produto ou mercadoria”. Vale para todos os ramos do cooperativismo, incluindo crédito e saúde.
Por que esse entendimento é importante? Estamos em fase de regulamentação da PEC 132/23 da reforma tributária. A falta de clareza sobre este conceito pode acarretar enormes dificuldades ao modelo cooperativo como um todo e, por conseguinte, aos cooperados, na maioria de pequena capacidade financeira ou produtiva. Pior ainda, acarretaria prejuízos enormes aos benefícios econômicos e sociais à sociedade em geral promovidos pelas cooperativas.
Abdull Nasser
É advogado e Superintendente do Sistema OCB/RJ
Luís Alberto Pereira
É engenheiro civil e Presidente do Sistema OCB/GO
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