O imbróglio envolvendo a Americanas está longe do fim. Nesta semana, a gigante do varejo publicou o balanço do último trimestre de 2022, revelando e retificando irregularidades contábeis já reconhecidas pela empresa. Como o balanço apresentado na hoje confirmou, as auditorias não apontaram quaisquer ressalvas às contas da companhia por sucessivos resultados que podem mesmo se estender por uma década. A ausência destas ressalvas – chamadas tecnicamente como ‘assuntos de auditoria’ – confirma que as auditorias, no mínimo, foram lenientes com as impropriedades graves praticadas por toda a companhia.
Essa situação afetou diretamente os investidores, especialmente os debenturistas, que viram seus créditos se tornarem incertos com a abertura da recuperação judicial da empresa. Diante deste cenário, o Instituto Empresa, representante dos investidores prejudicados e que já processa as Americanas e os controladores, está mobilizando uma ação de ressarcimento contra as auditorias KPMG e PwC. Essa ação decorre do reconhecimento de que as auditorias, ao longo de anos, falharam em apontar as impropriedades graves nos balanços da Americanas.
O Instituto foca na proteção dos interesses dos debenturistas, particularmente dos gestores de fundos de investimento, que confiaram nas auditorias para suas decisões de investimento. “Dada a fraude evidenciada nos novos balanços, os gestores são compelidos a agir em defesa dos seus cotistas”, destaca Eduardo Silva, representante do Instituto Empresa.
O primeiro passo foi notificar diretamente as auditorias da incongruência entre seus pareceres passados e o balanço agora apresentado.
A recente decisão da B3 que excluiu as Americanas da listagem de excelência conhecida como ‘Novo Mercado’ se encaminha no mesmo sentido ao reconhecer que toda a estrutura corporativa estava comprometida. Para justamente evitar prejuízos ao mercado em situações deste tipo é que a legislação impõe que as contas e dados sejam auditados por um ente externo que afiance a correção das práticas contábeis. Este é o papel das auditorias e que não teria sido cumprido pela KPMG e pela PwC na medida em que suas análises, por anos e sucessivos exercícios, confirmaram integralmente os números apresentados originariamente pelas Americanas.
O advogado Adilson Bolico, do escritório especializado em defender os minoritários Mortari Bolico Advogados, alerta para um problema estrutural no modelo de auditoria, onde a empresa auditada influencia o auditor. Ele enfatiza a necessidade de ação concreta dos gestores para obter ressarcimentos em episódios de fraude. “Vale destacar que a situação dos debenturistas é especialmente grave quando se trata de fundos de investimento. Os gestores baseiam-se, expressamente, para sua tomada de decisão em emprestar ou não dinheiro para a companhia, nos balanços e outros documentos auditados. Mesmo o Fundo Verde, conduzido por Luis Stuhlberger, reconheceu que foi enganado também pelo silêncio dos auditores”, afirma.
É importante lembrar que os debenturistas interessados têm até o início de dezembro para se juntarem à demanda. “Em razão do dever fiduciário de diligência e materializada a fraude nos novos balanços, os gestores de fundos de investimentos se veem compelidos a agir em proteção aos seus cotistas e investidores”, afirma Silva, do Instituto Empresa. É que a posição passiva em aguardar o final da fila da recuperação judicial provocará substanciais descontos (chamados waiver) além de postergar o pagamento e, assim, o desempenho das carteiras”, explica Bolico.
A opção de processar as Auditorias decorre de uma série de decisões judiciais, no Brasil e no exterior, que tem responsabilizado sobretudo as Big Four (KPMG, PwC, Deloitte e EY) por incorreções ou omissões em suas análises.
Para Adilson Bolico, há um problema estrutural: “a empresa auditada paga o auditor. Se o parecer não sai como esperado pelo controlador da companhia, a auditoria tende a sofrer pressões e ser substituída. É preciso evoluir para um modelo de maior distanciamento e efetiva imparcialidade.”
O advogado ainda sublinha que os gestores de fundos de investimento cuidam de recursos alheios. E, em razão deste fato, devem agir concretamente para obter ressarcimentos devidos nestes episódios de fraudes, sob pena de assumirem pessoalmente por sua própria inércia.