Por Karine Rodrigues
Um dos maiores problemas que a humanidade enfrenta na atualidade é dar uma destinação correta para o lixo produzido, e evitar ainda mais a contaminação do solo, água e ar. Não há plano B para resolução deste problema. Determinado a cumprir as obrigações sociais, ambientais e a reduzir a pressão internacional, o Brasil tem como meta extinguir os lixões e aterros controlados em 2024. Para contribuir com essa meta, Goiás está empenhado e já lançou uma política estadual de controle de resíduos sólidos. Atrelada a essa política pública foi criado um grupo de secretarias de Estado, Sebrae Goiás e Sistema OCB Goiás, para apoiar as cooperativas de reciclagem já estabelecidas e as em fase de regularização, além dos catadores. Essas cooperativas terão o papel fundamental para lidar com o novo ouro que está em cima da terra, o lixo que pode ser transformado, voltar a ser útil, deixar de ser lixo e não mais poluir.
E o volume de lixo que ainda é produzido no Brasil é muito alto. E isso pode ser visto no relatório sobre a produção de resíduos sólidos urbanos (RSU), no Brasil em 2022, gerado pela Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe). O documento denominado Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil 2022, mostra que apenas no ano passado, foram produzidas 81,8 milhões de toneladas de RSU, o que corresponde a 224 mil toneladas diárias. Com isso, cada brasileiro produziu, em média, 1,043 kg de resíduos por dia. Segundo o Panorama, a Região Centro-Oeste foi a que produziu a menor quantidade de RSU no País, o que representou 7% do total gerado, com cerca de 6 milhões de toneladas ano.
Considerando os dados do Panorama, na Região Centro-Oeste estima-se que cada habitante produziu em 2022 cerca 0,993 quilo de lixo por dia. Ou seja, quase um quilo. De acordo com o IBGE, Goiás tem hoje quase 7 milhões de habitantes e 2022 foi um ano de retomada da economia pós-pandemia, se a conta tomar por base, o número da Abrelpe, é possível que em 2023, o volume de lixo produzido aumente. Não há dados consolidados e oficiais no Estado sobre a produção de resíduos sólidos, mas as informações da Agência Municipal de Meio Ambiente de Goiânia (AMMA) é de que desde 2019, tem se investido muito na conscientização e educação da população de Goiânia, no que tange a redução da produção de lixo e a separação para coleta seletiva.
Segundo informações da Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), não há um mapa oficial da coleta seletiva no Estado, até porque essa coleta é uma obrigação de cada prefeitura, mas sabe-se que o percentual é muito baixo.
Preparando o terreno
Com intuito de atender a Política Nacional de Resíduos Sólidos, o Estado de Goiás, por meio da Secretaria de Estado da Retomada (SER), iniciou uma parceria em 2021 cm o Sistema OCB Goiás, com a finalidade de executar em Goiás o IncubaCoop. Trata-se de um projeto da OCB Nacional, de incubação de novas cooperativas, neste caso o público-alvo são as cooperativas de reciclagem. A parceria também incluiria outras secretarias de Estado como Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), Secretaria de Indústria e Comércio, Instituto Mauro Borges, Secretaria de Estado de Desenvolvimento e Inovação (Secti) e Secretaria de Estado da Economia. Além do Sebrae Goiás, para dar apoio e consultoria na abertura e registro de novas cooperativas. A parceria resultou na criação de um grupo de trabalho, que ficou um ano e meio fazendo a minuta desse projeto, visitando outros Estados e fizeram uma consulta pública, para chegar em um modelo que atendesse a todo mundo.
A iniciativa culminou no lançamento do Programa Recicla Goiás, em abril deste ano. Na mesma data, o governador Ronaldo Caiado assinou a regulamentação no Estado de Goiás da Logística Reversa, que resultou no decreto 10.255, o qual prevê que toda a indústria produtora de embalagem seja de metal, papelão, plástico e vidro deverá arcar com a reciclagem de 22% dessa produção pós-consumo, a fim de que essa matéria-prima volte para a cadeia produtiva.
A Semad vai assumir o papel de fiscalização. A tarefa da secretaria será de receber os relatórios das empresas gestoras e certificar que a indústria está cumprindo o que determina a lei. O descumprimento da obrigação é conduta a ser tipificada como crime ambiental. A Secretária de Estado do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, Andréa Vulcanis, explica que este é apenas o início do plano e essas metas serão ampliadas. “O decreto, que já está em vigor, fomenta uma cadeia produtiva que começa na indústria, passa pelas cooperativas de reciclagem – importantíssimas nesse processo, e se encerra com o incentivo do Estado para que a indústria entre nesse processo”, ressalta.
Queremos vender para a China
“Em 1997 eu era catador de lixo de rua, foi quando tive a ideia de montar a cooperativa. Mas eu já enxergava lá na frente, eu queria mesmo fundar uma cooperativa que abrangesse o Sudoeste goiano. Hoje nós fazemos a coleta de material reciclável em 27 cidades”. Essa introdução é do presidente da Coop-Recicla, Divino Teles Guimarães, que é a principal cooperativa de reciclagem de Rio Verde e um dos modelos de gestão para as demais, do mesmo ramo, em Goiás. A Coop-Recicla foi fundada em 2008, hoje tem 70 cooperados na matriz e outros 50 na filial em Chapadão do Céu. Na cooperativa se faz coleta do lixo, transporte, separação, prensa (enfardamento) e vai para o estoque para ser vendido. O lixo deixa de ser lixo e vira matéria-prima. Na matriz, são produzidos em média 160 toneladas por mês de matéria-prima que segue para a indústria de reciclagem, em Chapadão do Céu, a estimativa é de produção de 50 toneladas por mês. “Nosso objetivo é fazer a reciclagem total e já vender o plástico, o metal pronto para virar novamente embalagem, mas para isso precisamos de volume de material. Então, quando abrirmos mais cinco filiais conseguiremos ter esse volume para agregar valor à matéria-prima que produzimos. Nosso objetivo é vender o fio de nylon da garrafa pet para a China”.
Divino garante que hoje a Coop-Recicla salva Rio Verde de levar multa. “O mundo inteiro está preocupado com a questão ambiental, e nós da cooperativa ajudamos a cidade a reduzir os impactos ambientais. As 160 toneladas que nós coletamos não vão para o aterro e assim a cidade deixou de cometer o crime ambiental”, explica. Na cidade não tem aterro sanitário, é um lixão e a cooperativa faz do problema uma solução rentável. Os resíduos sólidos urbanos (RSU), que as pessoas chamam de lixo, se for bem gerido resolve os dois maiores problemas de qualquer município, o ambiental e o social.
O presidente da Coop-Recicla relata que as 70 pessoas que lá trabalham estavam na rua, não tinham dignidade e viviam de catar lixo. Hoje são cooperados e isso é um ganho para o município. No ano passado, o faturamento obtido pela cooperativa foi de R$ 2 milhões e a previsão é dobrar em 2023. São recursos que movimentam a economia da cidade, que é gasto no supermercado, nas lojas, na padaria e além do impacto financeiro, houve geração de empregos, melhora na qualidade de vida, a cidade fica mais limpa e com menos doenças, como a dengue.
Segundo Divino, a cada R$1 investido em coleta seletiva o retorno são de R$ 9. Em Rio Verde não há coleta seletiva de porta em porta, o que há são mais de 100 pontos de entrega voluntária (PEV) e os grandes geradores que são as empresas.
“Precisamos aumentar a nossa estrutura para poder crescer mais. Porém, todos os equipamentos para uma empresa de reciclagem custam caro. Hoje nós contamos o apoio poder público, mas ele ainda é reduzido. O que nos dá ânimo são iniciativas como a do Senador Vanderlan Cardoso, que através de uma emenda impositiva, nos destinou recursos para aquisição de uma retroescavadeira, antes descarregávamos 20 de caçambas de lixo aqui e a gente tinha que empurrar tudo na mão, até a esteira”, comenta.
Lixo não falta na cidade, e tem o suficiente para que atender uma futura usina de reciclagem da Coop-Recicla. Porém, hoje a capacidade de operação da cooperativa é baixa e ela consegue trabalhar apenas 5% do lixo produzido na cidade de Rio Verde. Para aumentar para 10% e dobrar a quantidade de cooperados seria necessário ter um investimento mínimo de R$ 3 milhões, além do faturamento anual, apenas para mudanças na estrutura da cooperativa. “Moradores de muitos bairros me ligam querendo fazer coleta seletiva, mas não temos estrutura”, pondera Divino.
Apesar de tudo, a evolução foi grande nos últimos cinco anos. De 2018 para cá eles passaram de 15 cooperados para 70. De um caminhão alugado para seis caminhões próprios. “Ou seja, mesmo com dificuldade a gente evoluiu muito. O nosso foco para o ano que vem é a construção da nova sede da cooperativa”, argumenta. A prefeitura já fez a doação do terreno, o projeto estrutural já está pronto, a construção da nova sede custará R$ 35 milhões e vai reciclar 100% do resíduo de Rio Verde.
Porém, a cooperativa passa por um momento delicado, a matéria-prima teve o preço reduzido pela metade, com isso o faturamento ficou menor, para resolver isso é preciso produzir mais para compensar as perdas. Segundo o presidente, a justificativa dos compradores é que está mais barato importar.
Apoiador das causas cooperativistas, o senador goiano Vanderlan Cardoso (PSD/GO), ressalta que no Senado Federal, tem tido a satisfação de ser considerado um parceiro do Cooperativismo de todas as áreas, desde o setor de reciclagem ao cooperativismo de crédito. “Tenho sido procurado por pequenas e grandes cooperativas, e sempre que posso, ajo para fortalecer esse setor. A OCB nacional e a regional, aqui de Goiás, têm realizado um trabalho importante, e estou sempre disposto a colaborar com instituições sérias, que trabalham em benefício da população”, afirma.
Prova disso foi a recente destinação de uma máquina retroescavadeira, no valor de R$ 600 mil entregue a Coop-Recicla. A máquina foi adquirida por meio de uma emenda impositiva que o senador destinou para a cooperativa. Ele diz considerar o cooperativismo um setor extremamente importante para o País, os Estados e, principalmente os municípios, uma vez que as cooperativas fornecem uma alternativa de negócio viável para indivíduos e comunidades, fortalecendo economicamente uma região. “Ele, o cooperativismo, também empoderam indivíduos que sozinhos poderiam não conseguir concorrer com o mercado, além de facilitar o compartilhamento de benefícios entre as pessoas. E quando se trata de cooperativismo de reciclagem, como a Coop-Recicle, de Rio Verde, que acabamos de ajudar com a entrega de benefícios, é também um investimento ambiental”, destaca.
Vanderlan explica que a geração de emprego e renda e o desenvolvimento econômico e social sempre foram uma das suas principais bandeiras, e o cooperativismo é uma importante ferramenta para atingirmos esses objetivos. “Por esse motivo é grande minha disposição em trabalhar para fomentar o cooperativismo no Brasil e em Goiás. Hoje, o País tem quase 16 milhões de cooperados e gera mais de 400 mil empregos. São números expressivos, mas tenho certeza que há potencial para melhorar ainda mais”, enfatiza.
Com histórico de apoio ao segmento, o senador conta que foi o relator do PL 27/2020, que criou o Marco Regulatório do Cooperativismo de Crédito, momento em que conseguiu aprovar o projeto em tempo recorde. E lembra que o convite para relatar esse projeto foi feito pelo presidente do Sistema OCB/GO, Luís Alberto Pereira e pelo presidente da OCB nacional, Márcio Lopes. “Eu torço para que mais parlamentares se engajem na luta pelo cooperativismo. Esse setor representa 10 % do PIB goiano, e tem potencial para crescer ainda mais”, finaliza.
Plano de ação
Fundamentais para execução das políticas públicas já citadas e para atingir as metas previstas pelo Plano Nacional de Resíduos Sólidos, as cooperativas de reciclagem goianas passam por uma fase de transição. Diante deste cenário, elas agora vão ter recursos para capacitação, formalização e estruturação para o melhor funcionamento. Segundo o Sistema OCB/GO, hoje há em Goiás 9 cooperativas de reciclagem registradas e em funcionamento. E um diagnóstico já iniciado pela Secretaria de Estado da Retomada (SER) identificou, após pesquisa de campo, a existência de 33 cooperativas de reciclagem em Goiás, registradas ou não na OCB Goiás, com cerca de 650 catadores de recicláveis. A estimativa é de que o número absoluto pode chegar a 7 mil catadores informais em lixões e nas ruas, em todo o Estado.
Desde 2021, o Sistema OCB/GO, em conjunto com a SER e o Sebrae Goiás incentivam a constituição de novas cooperativas, por meio do programa IncubaCoop Goiás. Trata-se de um programa voltado para novas cooperativas registradas na OCB/GO, que se destaca por todo o apoio desde a sensibilização, elaboração de plano de negócio, apoio documental e até a estruturação com a aquisição de maquinários.
Segundo o analista de cooperativismo da OCB Goiás, Emanuell Lopes, mais do que incentivar a criação das cooperativas de reciclagem, as ações do Sistema OCB/GO contribuem para conscientizar os catadores sobre a necessidade de se organizarem em torno de um coletivo, mostrando que, na cooperativa, eles terão possibilidade de uma melhor renda, capacitação e qualidade de vida no trabalho.
Lopes reitera que o Sistema também tem atuado para que as cooperativas sejam fortes e perenes e que a rede de apoio, profissionalização, busca por novos parceiros, avanço de novos mercados e fortalecimento permita que os cooperados, ao serem retirados dos lixões e inseridos nessas referidas organizações, sejam reconhecidos e valorizados em seu trabalho e protagonistas no processo de gestão dos resíduos.
A expectativa é de que para atender a demanda criada a partir do decreto 10.255, do Governo de Goiás, o ramo cooperativista de reciclagem cresça significativamente no Estado. O Gerente de Mobilização para Emprego e Renda e APL’s, da Secretaria de Estado da Retomada (SER), Rafael Sôffa relata que a secretaria está priorizando a extinção de lixão e fazendo um nivelamento básico no Estado. “Nós temos a meta de regularizar e criar de 50 a 60 novas cooperativas de reciclagem nos próximos 12 meses. Há muitas cooperativas que não estão regularizadas e nem registradas na OCB/GO, e para ter acesso ao incentivo do governo estadual, o registro é uma obrigatoriedade, exigido também pela lei federal”, ressalta. Ele afirma que a meta para 2024 é tirar os catadores desses lixões e colocar para trabalhar nos galpões das cooperativas, para depois evoluir.
A programação é a seguinte: A SER e a OCB Goiás dão a capacitação, o Sebrae Goiás entra com o plano de negócios, junto a tudo isso, as prefeituras são obrigadas a darem um galpão para as cooperativas trabalharem e também implementarem a coleta seletiva nos municípios. Desde a execução do programa IncubaCoop e Catadores em Goiás, já foram capacitadas e entregue crédito para duas cooperativas. Outros 10 grupos já receberam a capacitação e estão em vias de abertura de CNPJ e de receber o crédito. O trabalho já chegou a Acreúna, Anicuns, Goianira, Itapuranga, Mozarlândia, Pires do Rio, Quirinópolis, São Miguel do Araguaia, Silvânia, Vianópolis, Corumbá e Goiás.
Se a cooperativa tem CNPJ e teve a capacitação, o governo de Goiás vai disponibilizar R$ 5 mil de crédito social por cooperado, para aquisição de equipamentos de trabalho. São R$ 4,5 milhões que já estão disponíveis para crédito social nos próximos 12 meses. Funciona assim, se uma cooperativa tem 15 catadores/cooperados ela vai ter R$ 75 mil para comprar uma prensa, uma empilhadeira, balança industrial e o equipamento sai no CNPJ da cooperativa e vira um bem da cooperativa e o catador/cooperado vai ter a cota parte dele na cooperativa.
Com o registro na OCB Goiás, as cooperativas estão asseguradas que terão apoio, independente de quem está no governo estadual, dos secretários em exercícios, pois a política pública foi implementada e seguirá seu trâmite. Além disso, Sôffa explica que recursos para capacitação já estão garantidos, no orçamento da Secretaria da Retomada. O governo de Goiás também já solicitou ao governo Federal e está em fase detalhamento de projeto, R$ 17 milhões para aquisição de caminhões de coleta seletiva, além de R$ 50 milhões para construção de galpões. E em médio prazo já está prevista a solicitação de R$ 60 milhões para construção de cooperativas centrais que vão abrigar indústrias de reciclagem de plástico. A previsão é de que sejam construídas 10 ao todo. A ideia é juntar cinco ou seis cooperativas de reciclagem regionais para industrializar o plástico recolhido por elas.
Segundo Sôffa a pretensão de Goiás ao final deste mandato é ser referência em reciclagem no Brasil, pois nenhum Estado tem um projeto tão audacioso. “Queremos ser o Estado que proporcionalmente mais recicla no Brasil. Mas para isso temos que investir na capacitação das cooperativas e principalmente dos catadores de lixo, fazer deles cooperados”, diz. Hoje os catadores são responsáveis por 80% de tudo que é destinado para indústria de reciclagem.
O que uma cooperativa pode fazer por uma cidade?
Liderada pela presidente Luciene Costa Leite, a Cooperativa de Catadores de Material Reciclável de Santo Antônio de Goiás (Cooperasg), podia muito bem ser chamada de cooperativa das mulheres. Elas são a maioria, dos oito cooperados, cinco são mulheres e elas pegam no pesado e fazem a mudança acontecer. Fundada em 1996, mas regularizada junto a OCB Goiás somente em 2017, a Coopersag, já passou por períodos bem difíceis e quase fechou definitivamente. E foi justamente naquele ano de 2017, quando Luciene assumiu a presidência que as transformações começaram. Ela conta que passou um ano arrumando a documentação para formalizar a cooperativa e desde então luta para manter o trabalho e dar dignidade para os cooperados.
Quem mais ganhou com essa luta foi o município de Santo Antônio de Goiás. Situada na região metropolitana de Goiânia, o município não tem coleta seletiva e todo o lixo que é possível de ser reciclado é recolhido pelos cooperados da Coopersag, levado para o galpão, separado e prensado para ser vendido para as indústrias de reciclagem. “Nós limpamos Santo Antônio e o único dinheiro que entra é o da venda do material para as indústrias de reciclagem. Não ganhamos nada da prefeitura, que ao contrário, nos atrapalha, pois o caminhão que nos atende foi registrado como patrimônio da prefeitura, e isso impede que o nosso trabalho seja feito com frequência e assiduidade”, lamenta a presidente.
Mesmo com todo esse empecilho, a cooperativa prensa por mês 10 toneladas de matéria-prima para reciclagem. O plástico é vendido para uma empresa de Nerópolis, os metais para uma empresa de Goiânia e o vidro para Anápolis. E as metas de crescimento são muitas, este ano terá início a ampliação do galpão onde a cooperativa está instalada, a presidente está empenhada em realizar convênios e parcerias para adquirir um caminhão, uma prensa nova e uma empilhadeira. O sonho de crescer e ter mais cooperados também é grande. “Nosso divisor de águas foi o registro na OCB Goiás, de lá para cá já fizemos cursos de capacitação, consegui melhorar a gestão da cooperativa, aprendi e aprendo muito. Além disso, a entidade atendeu um pleito nosso antigo e construiu uma cozinha e um banheiro na área da cooperativa para que pudéssemos, fazer nossas refeições aqui, ter um espaço para descanso e de higiene pessoal”, explica Luciene.
Dignidade
O presidente do Sistema OCB/GO Luís Alberto Pereira explica que as cooperativas, incluindo as de reciclagem, desempenham um papel fundamental na promoção da dignidade social e da renda. “Elas geram empregos, inclusão social, capacitação, fortalecem a economia local e promovem a participação democrática e o empoderamento dos membros. Ao fazer isso, as cooperativas contribuem para a melhoria das condições de vida das pessoas e para a construção de uma sociedade mais justa e sustentável”.
Foi essa dignidade que a cooperada Michele Ferreira de Paula, encontrou desde que começou a fazer parte da Cooperativa de Trabalho de Catadores de Materiais Recicláveis Dom Fernando (Cooprec), há 12 anos. Para quem chegou lá sem saber separar o que servia para reciclar do que seria inutilizado, a diferença hoje é grande. “Consigo trabalhar em todas as etapas da cooperativa, se for preciso vou da separação na esteira ao descarregamento do caminhão que chega com o lixo. Faço tudo que precisar”, diz animada.
Ela conta que nem sempre foi assim, quando começou a trabalhar na cooperativa ela não tinha nenhum conhecimento sobre o assunto, aprendeu com o tempo e com os ensinamentos de quem já estava por lá. Mas ela gosta mesmo é de contar como a cooperativa mudou a vida dela. “Se eu não estivesse trabalhando aqui, não sei o que faria. Trabalho próximo de casa, posso cuidar dos meus filhos, tenho dignidade, tenho minha renda que ajuda no sustento da minha família e gosto da cooperativa. Pretendo contribuir cada vez com o crescimento da Cooprec e a continuar a trabalhar por isso”, explica.
A deputada Estadual Rosângela Rezende (AGIR/GO) que é uma das parlamentares que mais apoiam o cooperativismo goiano, é uma defensora da modalidade de negócio e explica que a força das cooperativas está na união, “as vitórias do cooperativismo são de todos”, salienta. Ela complementa que as cooperativas além de um modelo de negócio, são uma alternativa de inclusão social, que mantém trabalhadores na ativa, com competitividade, solidariedade e liberdade. “Além disso, as cooperativas funcionam como redes de oportunidade e aprendizado. Essas duas coisas são imprescindíveis para determinar o sucesso de pequenos empreendedores, porque é um espaço onde eles vão encontrar o que precisam para prosperar e muitas vezes não têm o suporte necessário para se manter em um mercado tão competitivo”, diz.
Uma história de resistência
Fundada em abril de 1998, a Cooperativa de Trabalho de Catadores de Materiais Recicláveis Dom Fernando (Cooprec), existe e resiste, pois segundo a diretora Financeira, Nair Rodrigues Vieira, eles não recebem nenhum recurso governamental. E não é fictício o faturamento obtido em 2022, de R$ 700 mil. Mensalmente, a cooperativa de material reciclável situada no Jardim Conquista, Região Leste de Goiânia, recebe 120 toneladas de lixo todo mês, mas deste total, apenas 80 toneladas servem para a venda.
Ao chegar na Cooprec o caminhão de lixo é descarregado e tudo que vem nele passa por uma triagem e separação, o que é aproveitável é vendido para empresas que fazem a reciclagem desse material. É com o dinheiro dessa venda que se mantém a cooperativa e os 27 cooperados que fazem parte dela. Porém, Nair disse que a renda da Cooprec poderia ser bem maior se o preço pago pela matéria-prima para reciclagem não fosse tão baixo e se houvesse uma maior separação do lixo destinado para a reciclagem pelos cidadãos goianienses. “Com a pandemia as coisas ficaram muito ruins, o volume de lixo que poderia ser destinado para a reciclagem diminuiu muito e tivemos uma grande dificuldade para sobreviver, este ano as coisas já melhoraram e a captação aumentou, mas poderia ser muito maior”, argumenta.
Nair afirma que o único apoio que a cooperativa tem hoje é da prefeitura de Goiânia, que faz a coleta seletiva na cidade e deixa na cooperativa. “Mas estamos tentando encontrar uma maneira de fazer a prefeitura pagar pelos serviços ambientais que as cooperativas de reciclagem fazem na cidade, esse é um direito nosso, mas isso está em negociação”, ressalta ela.
Experiente no trabalho cooperativista, Nair diz que é muito importante que as cooperativas de reciclagem estejam registradas na OCB Goiás. Pois é por meio da entidade, que as cooperativas têm acesso a capacitação, melhoria na gestão até se tornarem profissionais, acesso a crédito e até a fazer o básico e essencial para um negócio cooperativo, um estatuto e um plano de negócios. Afinal uma cooperativa não deixa de ser um negócio.
Outro ponto importante é que as cooperativas de reciclagem hoje são essenciais para a limpeza das cidades, principalmente onde não há coleta seletiva. “Faça chuva ou sol a cooperativa está lá trabalhando, dando a destinação correta para o lixo, gerando trabalho e renda, e realizando a inclusão social dos catadores, dá dignidade. Sem falar que as cooperativas são essenciais para atingir a meta do fim dos lixões em 2024”, enfatiza a diretora financeira da Cooprec.