Rondonópolis Empresas (MT) – Com perspectiva de dobrar a produção de grãos nos próximos anos, o agronegócio de Mato Grosso é hoje disputado por três bilionários projetos ferroviários que, para o governo, podem revolucionar a logística de transportes da produção agrícola do país.
Juntos, os projetos demandariam ao menos R$ 40 bilhões em investimentos, para adicionar quase 2.000 quilômetros à malha ferroviária do país. O mais adiantado é o menor deles, a Fico (Ferrovia de Integração do Centro-Oeste), que será construída pela Vale.
O governo aposta suas fichas no mais complexo, a Ferrogrão, que liga Sinop (MT) aos portos de Miritituba e Santarém, no Pará, que enfrenta resistências no Ministério Público e críticas de especialistas que temem o risco de despejo de dinheiro público nas obras.
A expectativa é licitar a ferrovia ainda este ano, mas a meta depende de derrubada de liminar do STF (Supremo Tribunal Federal) que suspendeu a alteração de limites da Floresta Nacional do Jamanxim (PA) para a passagem dos trilhos.
Em outra frente, a Rumo Logística tenta convencer o governo que tem direito a construir um ramal expandindo sua malha de Rondonópolis (MT), onde já atua, até Lucas do Rio Verde (MT) para transportar a produção do estado até o porto de Santos.
Atualmente, a Rumo já opera no transporte de grãos de Mato Grosso por meio de seu terminal em Rondonópolis, mas a maior parte da produção agrícola local é transportada ainda por caminhões, modal ineficiente para esse tipo de carga e as longas distâncias que percorre.
Com a pavimentação do trecho norte da BR-163, que tem traçado parecido ao da Ferrogrão, os produtores locais já comemoram redução de 20% no custo de transporte, mas são entusiastas da perspectiva de maior economia com os projetos ferroviários.
“Se não tivermos concorrência entre os modais de transporte, o frete sempre será caro”, diz o presidente da Aprosoja (Associação dos Produtores de Soja), Antônio Galvan. “O modal rodoviário hoje está superado, só utilizamos porque é o único que temos.”
Galvan diz ver demanda para os três projetos, mas o temor de que a competição inviabilize investimentos bilionários é foco de embates entre empreendedores e o governo, tornados públicos no fim de abril pelo ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas.
Em evento com empresários do setor de construção do Maranhão, o ministro disse que questionamentos ambientais sobre a Ferrogrão são “cortina de fumaça” patrocinada por interesses econômicos contra o projeto.
“Eu vou lá, patrocino uma ONG, pego um indígena, boto debaixo do braço, vou lá na Redação do jornal para dar o pau, dizer que a ferrovia é ruim”, afirmou, acusando operadores de ferrovias que cobrariam hoje frete equivalente ao ferroviário para transportar os grãos.
Freitas não citou nomes, mas a crítica foi dirigida à Rumo, única empresa que presta o serviço atualmente e apontada como a principal concorrente da Ferrogrão. A companhia, de fato, tem atuado nos bastidores para viabilizar seu projeto antes.
A empresa não dá entrevista sobre o assunto. Junto ao governo, defende que o contrato de concessão da malha que opera permite a expansão rumo ao norte de Mato Grosso. O governo alega que essa cláusula foi extinta e tenta empurrar o projeto para viabilizar a ferrovia para o Pará.
A Rumo dependeria, portanto, de aprovação de projeto de lei que altera o marco legal do setor ferroviário e permite a construção de ferrovias por autorização e não pelo modelo de concessão, que prevê concorrência pública.
O Ministério da Infraestrutura deixa claro que a Ferrogrão é sua prioridade na área de transporte e, nos bastidores, a Rumo acusa o governo de atrasar seu projeto para viabilizar o projeto concorrente.
O modelo de concessão da Ferrogrão prevê, inclusive, a criação de um fundo com recursos de concessões de outras ferrovias para bancar imprevistos, entre eles a entrada em operação do ramal da Rumo antes de 2045. Isto é, se a empresa acelerar seu projeto, o fundo teria que bancar parte da receita da outra ferrovia.
Para críticos da obra, como o economista Cláudio Frischtak, da consultoria Inter.B, essa possibilidade é um sinal de que o projeto tem riscos de não parar de pé sem aporte de dinheiro público — o que o Ministério da Infraestrutura afirma que não ocorrerá.
Como é uma ferrovia ponta a ponta, sem terminais intermediários, a Ferrogrão só poderá entrar em operação quando estiver totalmente concluída, o que está previsto para 2030. Para garantir o pagamento do financiamento, precisa de ao menos 20 milhões de toneladas nos primeiros anos.
A Rumo alega que seu projeto corre menos risco porque começa a gerar receita assim que o primeiro trecho do novo ramal for concluído, uma vez que a ligação restante com o porto de Santos já é operacional.
A terceira ferrovia projetada para chegar a Mato Grosso, a Fico, foi incluída como contrapartida à renovação de concessões ferroviárias da Vale. A mineradora ficará responsável pelas obras e, quando concluído, o trecho deve ser concedido em leilão.
A princípio, ela ligará Mato Grosso à Ferrovia Norte-Sul, abrindo uma nova alternativa logística para escoamento da produção do Centro-Oeste pelo Maranhão. Caso o governo consiga concluir também a Fiol (Ferrovia de Integração Oeste-Leste), a Fico ganha conexão com o porto de Ilhéus (BA).
Marcassa diz que as projeções de crescimento da produção de grãos no Centro-Oeste permitem a coexistência dos três projetos. A Ferrogrão prevê 40 milhões de toneladas e a expansão da Rumo, outras 40 milhões. A Fico terá capacidade inicial de 10 milhões.
O Imea (Instituto Mato-grossense de Economia Agropecuária) projeta já para 2030 uma produção de cerca de 120 milhões de toneladas de soja e milho. Incluindo o arroz, Galvan fala em 150 milhões, dobrando a capacidade de produção atual.
“Ainda tem a carga de retorno”, acrescenta a secretária de Fomento, Planejamento e Parcerias do Ministério da Infraestrutura, Natália Marcassa. “A Malha Norte sobe com Coca-Cola e fralda descartável para o MT, tem carga de fertilizante para Ferrogrão… Hoje todo esse centro é alimentado por caminhão em carga geral.”
“E tem todo o restante, algodão, pecuária, congelados… Depois vai aparecer minério e outras coisas”, afirma Galvan. “Com certeza essas três ferrovias vão ter que ser ampliadas no futuro.”