Finalmente, o presidente da República, no último dia 24, sancionou a Lei de número 14.112/2020, que altera, além da Lei de Falências, Recuperação Extrajudicial e Recuperação Judicial (11.101/05), também a Lei número 10.522/2002, e a Lei número 8.929/1994, todas visando atualizar a legislação sobre insolvência.
Conforme se esperava, houve vetos em número de 6 (seis), os quais, segundo as respectivas explicações, ou são inconstitucionais ou contrariam o interesse público. Tais vetos ainda terão que passar pelo crivo do Congresso, e um deles, nos parece de importância maior, é o que permite a suspensão das execuções trabalhistas contra responsável, subsidiário ou solidário, até a homologação do plano de recuperação judicial ou a convolação dela em falência. A justificativa é que ela contraria o interesse público por causar insegurança jurídica. Também foram vetados trechos relativos à parte tributária, pois, segundo o governo, tais dispositivos deixaram de observar as regras orçamentárias ou previsões específicas do Código Tributário Nacional.
Para o governo brasileiro, especialmente para o Ministério da Economia, as alterações mencionadas chegam em boa hora, pois entende que após a pandemia (ele acredita no seu rápido fim) muitas empresas que se encontram em dificuldades econômico-financeiras se utilizarão do inteiro teor das alterações introduzidas na tentativa de suas recuperações.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, disse que a aprovação da nova lei “acelera a velocidade de cicatrização da economia”. É ainda uma sinalização de que a agenda de reformas não está parada. “Com um processo institucional mais sólido, mais consolidado como esse, estamos cicatrizando a economia mais rápido”, afirmou, acrescentando que não é a queda dos setores mais atingidos pela pandemia que vai condenar o país ao desemprego em massa.
Entre as diversas alterações introduzidas, algumas merecem destaques, como, por exemplo, a aprovação do uso da conciliação e da mediação no processo de recuperação e falência, com a criação de um mecanismo de suspensão de execuções contra o devedor, por 60 dias, a fim de incentivar a negociação com os credores. Também serão admitidas conciliações e mediações em disputas entre sócios da empresa ou em conflitos envolvendo concessionárias ou permissionárias de serviços públicos em recuperação judicial e os órgãos reguladores ou entes públicos municipais, distritais, estaduais ou federais.
Por outro lado, e atualmente, a legislação exime quem adquire bens de uma empresa em recuperação judicial de assumir dívidas vinculadas ao processo. O projeto amplia a blindagem do adquirente ainda mais, explicitando que ele não assumirá dívida de qualquer natureza, seja ela ambiental, regulatória, administrativa, tributária, penal, trabalhista ou derivada de normas anticorrupção. Para o relator, a medida é saudável, pois incentiva a aquisição dos ativos que pode ajudar a gerar o capital necessário à reestruturação da empresa. (destacamos). Entretanto, as questões ambientais e de corrupção foram alvos de vetos, após a oitiva da Advocacia-Geral da União e do Ministério da Justiça e Segurança Pública, sob as seguintes razões:
“Todavia, e embora se reconheça a boa intenção do legislador, a medida contraria a moldura constitucional pátria, notadamente no que tange às obrigações ambientais, nos termos do caput do art. 225 e do inciso II do art. 186, ambos da Constituição da República, haja vista que a responsabilidade pela reparação de eventual dano ambiental causado recairá não apenas sobre aquele que o houver causado, mas também sobre aquele que houver adquirido o bem que sofreu (e sofre( o dano a ser reparado, ante a natureza jurídica de tal reparação, que é objetiva e por causa da coisa (propter rem), nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal (v. g. RE 698.284, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, data de julgamento 24/06/2014, Dje 31/07/2014, p. 01/08/2014; AI 729.635, Rel. Min. Marco Aurélio, data de julgamento 21/09/2018, Dje 25/09/2018. PP. 26/09/2018; entre outros). Ademais, os dispositivos também contrariam as obrigações de natureza anticorrupção, haja vista que a excepcionalidade criada está em descompasso com os direitos fundamentais à probidade e à boa administração pública, além de ir de encontro ao interesse público, uma vez que podem implicar insegurança jurídica, além de prejuízo ao erário e no incremento de ações junto ao Poder Judiciário no combate à corrupção.” (sublinhamos).
Diversas outras alterações foram introduzidas e, a nosso ver, algumas beneficiam os devedores, enquanto outras, o que é pior, fortalecem o Fisco e as instituições financeiras, é claro, em detrimento dos devedores recuperandos, pois empoderam a ambos, inclusive outorgando ao primeiro o privilégio de, em determinadas circunstâncias, requerer a convolação da recuperação judicial do devedor em falência, e ao segundo, a exclusão de diversas espécies de créditos dos efeitos da RJ.
É aguardar a vigência e os respectivos resultados para se ter uma real avaliação de todos os efeitos desta Lei número 14.112/2020, a qual, segundo seu artigo 7º, “…entra em vigor após decorridos 30 (trinta) dias de sua publicação oficial”, que se deu no último dia 24. Assim, e em conformidade com o Parágrafo 1º, do Artigo 8º, da Lei Complementar número 95/1998, a vigência da presente Lei terá início no próximo dia 23 de janeiro de 2021.