Há poucos dias, nos utilizamos deste espaço no sentido de se explicitar o real sentido de decisões que em princípio pareciam conflitantes, dos Egrégios Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF), especificamente a respeito da exigência ou não, da apresentação pelo devedor/recuperando, da certidão negativa de débitos fiscais antes da concessão propriamente dita da recuperação judicial. O STJ, através da Ministra Nancy Andrighi, relativizava a apresentação da questionada certidão, enquanto o STF, por meio do seu Presidente, Ministro Fux, se posicionava favoravelmente ao Fisco, determinando a obrigação da apresentação do citado documento.
Na realidade, nos termos da Lei 11.101/05, em seu artigo 57, está prescrito que:
“Após a juntada aos autos do plano aprovado pela assembleia geral de credores ou decorrido o prazo previsto no art. 55 desta Lei sem objeção de credores, o devedor apresentará certidões negativas de débitos tributários nos termos dos arts. 151, 205, 206 da Lei 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional”. (grifamos).
Por outro lado, também a mesma Lei 11.101/05, agora em seu artigo 47, ao firmar as bases sobre as quais deve assentar-se o instituto da recuperação judicial, é muito clara ao dizer que:
“A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica”. (grifamos).
Salta aos olhos, portanto, um choque entre as disposições de ambos os artigos, já que um (art. 57) privilegia o Fisco, que inobstante não participa da recuperação judicial mas é o primeiro a ter solucionado os rumos do seu crédito, e, o outro (art. 47), elenca princípios pró-devedor/recuperando. Mas este, na sua situação de crise econômico-financeira, além de ser devedor de fornecedores, bancos, colaboradores, entre outros, deve também ao Fisco.
E agora? Como deve proceder o juiz condutor do feito, já que o devedor/recuperando não lhe apresentou o que manda o artigo 57 da Lei 11.101/05, ou seja, certidões negativas de débitos tributários?
Não bastasse, em princípio, esta aparente contradição entre decisões de dois Tribunais Superiores – O STJ que conhece e julga questões infraconstitucionais e o STF que conhece e julga questões constitucionais (o guardião da Constituição Federal), eis que na semana passada surge no mundo jurídico um novo julgamento sobre a mesma questão e é claro, envolvendo os mesmos Tribunais Superiores.
Desta vez, o Ministro do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, revogou a decisão acima mencionada do Ministro Fux, sob os seguintes argumentos: a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça procurou uma solução com “menor restrição possível às normas legais que nortearam o instituto da recuperação“. (grifamos).
Para Dias Toffoli, a exigência de apresentação de certidões negativas de débitos tributários “é eminentemente infraconstitucional“, conforme inclusive o Plenário da corte já decidiu (ADC 46), e assim, a competência é do Superior Tribunal de Justiça. Dias Toffoli também considerou as informações prestadas pela ministra Nancy Andrighi, relatora do acórdão questionado, de que “se exerceu um juízo de proporcionalidade dada a ‘existência de aparente antinomia entre a norma do artigo 57 da LFRE e o princípio insculpido em seu artigo 47 (preservação da empresa)’“. (grifos nossos).
Segundo Toffoli, o STJ exerceu um juízo de ponderação entre a exigência do artigo 57 da Lei 11.101/05 e os princípios “da norma legal, notadamente no seu artigo 47, concluindo, assim, pela desproporcionalidade da exigência contida na primeira norma, com os princípios gerais delineados na segunda“. (grifamos).
Este entendimento, nos parece, pacifica as aparentes contradições entre ambos os Tribunais citados. E abre aos devedores/recuperandos um largo caminho no sentido de verem suas recuperações judiciais concedidas sem a apresentação das mencionadas certidões negativas de débitos tributários, nada obstante a existência de Lei específica que determina tal obrigação (Lei número 13.043/2014, em seu artigo 43). Bom para os devedores. Péssimo para o Fisco.