Liz Marília Vecci
Em minha estante, ao alcance de mão, junto com minhas doutrinas de tributário, deixo alguns livros que considero nobres e de consultas necessárias, lá estão Henri Kissinger, Roger Scruton, Michael Sandel e Chesterton, e ao lado de André Lara Resende, e outros economistas, o indiano Nobel da Paz de Economia, Amartya Sen, o qual consulto uma centena de vezes.
E ao destrinchar o novelo da questão da nova potencial “taxa do lixo” na cidade de Goiânia, Sen me trouxe um lembrete, que queria ter a oportunidade de compartilhar com todo gestor público, política pública se faz com discussão ampla. Ele diz:
“A política pública tem o papel não só de procurar implementar as prioridades que emergem de valores e afirmações sociais, como também de facilitar e garantir a discussão pública mais completa. O alcance e a qualidade das discussões abertas podem ser melhorados por várias políticas públicas, como a liberdade de imprensa e independência dos meios de comunicação (incluindo ausência de censura), a expansão de educação básica e escolaridade (incluindo educação das mulheres), aumento da independência econômica (especialmente por meio do emprego, incluindo emprego feminino) e outras mudanças sociais e econômicas que ajudam os indivíduos a ser cidadãos participantes. Essencial nessa abordagem é a ideia do público como um participante ativo de mudança, em vez de receber dócil e passivo de instruções ou de auxílio concedido.”1
A questão mais relevante do Projeto de Lei que prevê a instituição de uma taxa de coleta e tratamento de lixo de na cidade é a sensação de desinformação e engodo. Resta claro, a todos nós, que os governos estão vivendo momentos de estrangulamentos fiscais. Esse ano de 2021 a dívida pública brasileira alcançou 5 trilhões, ou seja, mais de 90% do PIB nacional. Essa é a dívida que o governo brasileiro contrai para financiar as despesas que não consegue pagar com a arrecadação de tributos nem com outras fontes de receita.
Olhando de forma simplista, existem duas maneiras de os governos não gastarem mais do que recebem, a primeira o Município de Goiânia já descobriu, cobrando mais tributos, a segunda é reduzindo os gastos públicos, o que inevitavelmente atinge serviços básicos, como saúde, educação e segurança.
A proposta de uma taxa de coleta e tratamento do lixo é assunto já abordado em Súmula pelo Supremo Tribunal Federal, pode ser feito, se observar os princípios tributários da Constituição Federal. Mas há mais para se discutir aqui, se a população será convocada, em um momento de crise econômica e sanitária, a gastar mais com tributos, ela deve ser devidamente comunicada. E a taxa é um tributo excelente para se fazer esse esclarecimento por sua característica individualizada e de remuneração de um serviço.
Mas qual serviço essa taxa estará remunerando?
O lixo coletado atualmente já não é custeado pela arrecadação dos impostos?
Essa taxa será para um novo serviço, qual?
Será feita a separação e tratamento desse lixo?
Usinas de reciclagem serão criadas?
Empregos serão gerados?
Esse lixo será transformado em insumos ou em materiais que poderão ser utilizados posteriormente?
Como nos ensina o indiano Nobel de Paz de Economia, política pública se faz com transparência e verdade, comunicando motivos e necessidades, e convocando a população para entender e aderir. Penso que é um conselho que serve para todo gestor da coisa pública, principalmente em um grave momento econômico, reduzir gastos primeiro, e não criar um novo tributo sem detalhar seus objetivos de forma clara.
Liz Marília Vecci
LLM em Direito Empresarial pela FGV/ESUP. Graduada em Direito pela PUC-GO. Atuação exclusiva em Direito Tributário desde 1996. Conselheira Julgadora da Junta de Recursos Municipais de Goiânia (2000 e 2013). Conselheira da OAB Seccional Goiás.
1 SEM, Amartya Kumar. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo. Companhia das letras. 2000.