Por Maicon Farina
Devido ao grande interesse e às importantes perguntas dos leitores no breve artigo que fiz sobre a vantagem tributária de um FIDC, que foi publicado na revista Leitura Estratégica, resolvi aprofundar no assunto abordando os agentes envolvidos e a usabilidade deste instrumento não só como benefício fiscal, mas também como estratégia para seus negócios.
No Fundo de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC) existem os superavitários numa ponta, que são os investidores que colocam o recurso no fundo e recebem juros como rendimento, e os tomadores em outra ponta, que é quem capta estes recursos emprestados lastreados em seus direitos creditórios (os recebíveis). Ambos têm benefícios pois isso alavanca o negócio de cada um a sua maneira. Aqui vamos focar no tomador do recurso, que é quem cria o FIDC e é o seu “dono” na forma de entidade jurídica.
Uma empresa que vende a prazo, pega um documento de seu cliente que garante que irá receber o valor no futuro. Este documento pode ser uma duplicata, nota promissória, CPR (Cédula de Produto Rural), cheque, parcela de cartão de crédito, ou outro documento, também chamado de recebível ou direito creditório. Para ter o recurso líquido a vista, a empresa antecipa este direito creditório, com deságio, em alguma instituição financeira ou bancos. Entretanto esta antecipação pode ser cara e não há garantia de que haverá disponibilidade de antecipar no mês seguinte novamente. Para isto, esta empresa pode criar o seu próprio fundo para antecipar estes recebíveis.
Para criar este fundo, a companhia vai precisar de uma organização registrada na CVM que liderará esta estruturação. São necessários diversos agentes, cada um com sua função:
Agente | Atividades |
Administradora | Faz a diligência do fundo, registra cotistas, realiza assembleias, contrata auditores, faz a contabilidade, divulga informações periódicas, faz-se cumprir o regulamento, comunica com a CVM, guarda de documentos, em muitos casos faz a custódia dos títulos, entre outras atividades |
Gestora | Entidade que faz a gestão da carteira do fundo. Segue as regras do regulamento do fundo; insere, compra, liquida e baixa títulos; estabelece fluxos financeiros; monitora o desempenho do fundo, efetua diligência na aquisição de DCs, contrata agente de cobrança, presta contas aos investidores, entre outras atividades |
Distribuidor (DTVM) | É o agente que atrai os investidores para colocarem capital no fundo. |
Assessor legal | É o escritório de advocacia que participa durante o período de estruturação do fundo. Faz todos os registros, criação do regulamento, abertura do fundo, e protocolos nas entidades legais |
Agente de formalização | É o responsável por formalizar juridicamente os direitos creditórios, garantindo que os documentos estejam válidos e registrados. Em operações pulverizadas, também realiza registro dos ativos (ex: na B3) e valida os aspectos legais e contratuais. |
Servicer (Agente de Cobrança) | É contratado pelo Gestor. É o responsável pela cobrança, controle e acompanhamento dos direitos creditórios. Pode atuar desde a gestão da carteira performada até a recuperação de créditos inadimplentes. Em operações com grande volume ou pulverização, costuma ser essencial. |
Auditoria | Auditoria independente registrada pela B3 que faz a validação dos títulos da carteira e do sacado. |
Originador | É o agente que faz concentra a documentação e faz toda a intermediação entre a empresa criadora do fundo e os outros agentes. Seu trabalho geralmente é realizado durante o período de estruturação do fundo. |
Custodiante | Faz a guarda dos Direitos Creditórios, dos Ativos Financeiros de Liquidez e dos respectivos Documentos Comprobatórios. |
Coordenador Líder |
Comumente é o Gestor ou o Distribuidor. É o agente responsável por liderar a estruturação do fundo, coordenando as atividades entre originador, administrador, jurídico, auditor e distribuidores. Em ofertas públicas, geralmente é uma DTVM com experiência em estruturação de fundos. |
Cotistas | São os investidores do fundo subdivididos por classes. Os cotistas são os agentes superavitários que colocam seu dinheiro no fundo na expectativa de receber os juros como rendimento. |
Cotista Sênior | Classe de investidores que geralmente aporta o maior volume de recursos para o fundo. Estes cotistas correm o menor risco de default, pois são protegidos pelos cotistas subordinados. Entretanto são os que recebem a menor remuneração do fundo, por correrem menos risco. |
Cotista Subordinado Mezanino | É o grupo de investidores que correm risco médio e tem remuneração média. Este grupo assume as segundas perdas em caso de inadimplência dos sacados. |
Cotista Subordinado Junior | Geralmente esta classe é assumido pelo dono do fundo (a empresa e/ou os sócios) e fica, geralmente, de 5% a 30% do PL do fundo. É assumida pela própria empresa dona do fundo pois esta é a cedente dos títulos e em caso de inadimplência dos sacados ela deverá assumir as primeiras perdas. No entanto, o rendimento de seu recurso aplicado no fundo é o maior. |
São necessários aproximadamente 90 dias para se estruturar um FIDC e deixá-lo pronto para operar. As etapas que consomem mais tempo são (i) a parametrização dos documentos eletrônicos CNAB / CSV para trânsito de arquivos remessa e retorno dos recebíveis, (ii) a criação do regulamento do fundo com as particularidades da companhia cedente (dona do fundo), e (iii) o levantamento da documentação da empresa necessário para protocolar a operação.
Após o regulamento pronto e registrado e o fundo aberto, o distribuidor vai a mercado buscar investidores. Quando os cotistas aportarem seus recursos para o fundo, o cedente (dono do fundo) cede seus direitos creditórios. Assim que for protocolado, o recurso é liberado para a companhia.
Uma das grandes vantagens do FIDC é a recorrente revolvência de títulos, e utilizar o recurso do fundo a vista a todo tempo. No momento da liquidação inicial do fundo, o cedente (que é o tomador neste caso) insere seus direitos creditórios a vencer no fundo e recebe o valor a vista. Quando os títulos chegam ao vencimento e os sacados os liquidam com o fundo (que é o credor neste momento), o cedente insere novos títulos (processo chamado de revolvência), e isso se torna um ciclo recorrente. Ao final do prazo determinado no fundo, se houver um bom histórico com pouca inadimplência, os investidores desejarão manter seus recursos no fundo (ou novos investidores desejarão entrar). Isto significa que o cedente não precisará encerrar o fundo, podendo usar os recursos de seus recebíveis a vista perenemente.
Na perspectiva do fundo, as receitas são os juros (deságio dos títulos) pagos pela cedente, em que, após saldar as despesas com juros de cotistas sêniors e despesas de manutenção (administrador, gestor, etc) geram lucro. Este lucro, é tributado em 15% apenas, e o resultado é de propriedade dos cotistas subordinados júnior que podem transferi-los como distribuição de lucros sem retributação.
Vale ressaltar que qualquer companhia que desconta recebíveis em bancos, já gera despesas financeiras, oriundas dos juros do deságio. Mas não recebe o “lucro” do spread. Com o FIDC Proprietário esta organização receberá este lucro já líquido de impostos direto em seu PL (conforme o regulamento).
O FIDC, assim como outros instrumentos como CRI, CRA, CR, Debenture, FII, Fiagro, entre outros, estampa o nome da sua empresa para o Mercado de Capitais, gerando histórico positivo e atraindo cada vez mais investidores. Para companhias que desejam realizar um M&A ou abrir capital no futuro, é essencial imprimir seu nome nesta esfera setorial alguns anos antes. Um bom histórico vale muito.
Contudo, o FIDC Proprietário não é uma simples ferramenta de empréstimo para a companhia. Trata-se de uma elevação de maturidade empresarial onde seus proprietários tem garantia de contar com recursos a qualquer tempo, atrair investidores estratégicos, ter benefícios tributárias e ter vantagem comercial acima da média de mercado.
Maicon Farina
Sócio-Diretor da Lure Capital, Vice-presidente da Câmara Setorial de Governança Corporativa da ACIEG e Conselheiro Fiscal do Sicoob Unicidades. Administrador pela PUC-GO, Executivo Financeiro pela FGV-SP, Estratégia pela FDC-MG e de Conselheiro de Administração pelo IBGC. Especialista em operações estruturadas de crédito e professor de Matemática Financeira.
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