Por Maicon Farina
O crédito rural representa um dos grandes motores do agronegócio brasileiro, setor responsável por aproximadamente 29,4% do PIB nacional (estimativa 2025), segundo dados do Cepea/Esalq-USP. Esse setor também impulsiona o emprego onde responde por 28% da mão de obra empregada no país e por mais de 48% das exportações brasileiras. Tradicionalmente sustentado pelo crédito subsidiado do governo, o segmento atravessa uma transformação significativa, marcada pela maior presença do setor privado e pela busca de novos modelos de financiamento.
O cenário atual trás inúmeras oportunidades para expansão do negócio frente ao volume de recurso disponível e aos novos instrumentos de crédito cada vez mais adequados ao segmento. O presente artigo aborda as principais mudanças no crédito rural brasileiro, apresenta dados e tendências do setor.
Transformações no cenário do crédito rural
Reconfiguração do papel do Estado
O Plano Safra, lançado pelo governo no início de julho, vai disponibilizar R$ 516,2 bilhões, um aumento de 2% referente ao ano anterior. Embora seja o maior volume já disponibilizado por este plano, o aumento não atingiu a inflação acumulada de 12 meses que é de 5,35%.
Isso demonstra que o setor tem cada vez menos dependência de subsídios do governo para financiar suas atividades. O crédito privado para o agronegócio no mercado de capitais somou R$ 509 milhões de emissões em 2024 segundo o Boletim da CVM, o que representa 45% do total de crédito liberado para o setor naquele ano.
Participação estimada no crédito total ao agro (2024):
Fonte de financiamento | Volume estimado (R$ bi) | Participação (%) |
Mercado de capitais | ~510 | ~45 % |
Crédito rural controlado | ~331 | ~30 % |
Crédito bancário com recursos livres | ~220–270 | ~20–25 % |
Total estimado | ~1,1 trilhões | 100 % |
Novos instrumentos financeiros
Em 2024, a emissão de LCAs (Letras de Crédito do Agronegócio) ultrapassou R$ 470 bilhões em estoque, enquanto os CRAs (Certificados de Recebíveis do Agronegócio) alcançaram mais de R$ 60 bilhões, segundo a B3. As CPRs (Cédula de Produto Rural) somaram R$ 268 bilhões em 2024.
Já os Fiagros (Fundos de Investimentos nas Cadeias Agroindustriais), instrumento criado em 2021, representaram R$ 3,1 bilhões em emissões em 2024. Entretanto a estimativa para 2025 é que este meio de financiamento será amplamente utilizado, já que oferece benefícios fiscais para os investidores e, portanto, menor tendencia de cobrança de juros para o tomador. O Fiagro é um instrumento espelhado no FIDC, e ajuda companhias do agro a impulsionar suas vendas sem depender de financiadores externos para receber a vista, uma vez que é feita operação semelhante ao Vendor (ou triangular) onde o cliente passa a dever o fundo o mesmo valor que deveria ao seu fornecedor.
Cada um desses instrumentos existe para financiar diferentes tipos de operação, tomador, volume e risco. Por exemplo, o CRA é muito utilizado para financiar operações de longo prazo ou aquisições de ativo, onde o tomador pode investir seus recursos em ativos que requerem mais tempo para gerar caixa. Já as CPRs, que são vinculadas a produtos como soja, cana ou gado, tendem a ter vencimento com prazo mais curto e frequentemente são utilizadas para financiar capital de giro.
Tanto para empresas do agronegócio tais como distribuidoras de insumos, concessionárias de máquinas, frigoríficos, sementeiras e indústrias de fertilizantes, quanto para produtor rural e pecuarista pessoa física, existe instrumento de crédito adequado no mercado de capitais.
Desafios para o setor privado
Gestão de risco e inadimplência
O risco climático e a volatilidade dos mercados ainda desafiam credores. Segundo a Serasa Experian, a inadimplência no 1º trimestre de 2025 chegou a 11,5% na região Norte, seguida por 9,4% no Nordeste, 8,5% no Centro Oeste, 6,7% no Sudeste e 5,4% no Sul, uma média nacional de 7,9%. Esses números subiram acompanhados do alto número de pedidos de Recuperação Judicial no setor.
Entre os maiores riscos, o fator climático tem sido um grande vilão destacando as enchentes no RS e secas no MS.
O setor privado tem buscado integrar seguros rurais às operações de crédito. Ainda assim, apenas 22% da área plantada no Brasil estava coberta por seguro em 2024, de acordo com o Ministério da Agricultura.
Já a variação de preços de commodities alertam os produtores e credores sobre possíveis impactos. Assim como a soja teve seu preço próximo aos R$ 200,00 em 2021 e 2022, e caiu repentinamente nos anos seguintes, o produtor de café está vivendo o período de ‘vacas gordas’ atualmente, mas não sabemos se a queda está contratada.
Falando em café, as recentes tarifas americanas aplicadas a produtos brasileiros têm dado dor de cabeça a produtores do setor. Se os EUA de fato deixarem de importar o café brasileiro, há tendência de queda no preço desta commoditie. A China pode ser a salvadora desta situação, recentemente o país asiático habilitou 183 empresas brasileiras a exportar café para lá. Se isso será suficiente para manter o equilíbrio dos preços, o próprio mercado dirá.
Regulação e segurança jurídica
Segundo o “Valor Econômico”, mudanças frequentes na legislação preocupam investidores e encarecem as operações. A aprovação da Lei do Agro (Lei 13.986/2020) foi um avanço elogiado por especialistas, ao simplificar garantias e permitir a emissão digital de títulos, mas desafios permanecem na execução de garantias judiciais.
As garantias reais – como alienação fiduciária de terras – tem sido cada vez mais requeridas nas operações bancárias. A boa notícia é que fundos proprietários (como Fiagros-DC) não exigem este tipo de garantia uma vez que são lastreados em diretitos creditórios previamente acordados em seus regulamentos.
Oportunidades e tendências: Mercado de capitais e investidores institucionais
A B3 registrou mais de R$ 150 bilhões em CRAs emitidos entre 2020 e 2023. Fundos de investimento focados em agronegócio cresceram 23% no mesmo período, segundo a Anbima.
Tenho visto uma demanda crescente de empresas do agro (distribuidores, sementeiras, concessionárias de máquinas) na criação de fundos proprietários como FIDC e FIAGRO. Estes instrumentos, além de impulsionar as vendas e promover vantagem tributária, cria um negócio para o empresário onde ele passa a ser dono do seu próprio “banco”, atraindo investidores institucionais e financiando as próprias vendas a prazo com recebimento a vista. Isso demonstra maturidade e profissionalismo cada vez maiores de empresários do setor.
No artigo “Vantagens do FIDC Proprietário” há mais detalhes deste tipo de operação.
Outro instrumento que tem sido utilizado com frequência é a Nota Comercial, especialmente para capital de giro. Operações de crédito abaixo de R$ 10 milhões e com prazos mais curtos – de até 2 anos – se enquadram idealmente neste instrumento. Quando a demanda é maior que isso, o ideal já passa a ser CPR ou até mesmo Debênture caso a empresa seja uma Sociedade Anônima.
As Debêntures são uma excelente opção de levantamento de capital estruturado de longo prazo, podendo chegar a 10 anos para pagamento. Há mais detalhes no artigo “O poder da captação via Debêntures”.
Para empresas mais arrojadas ou empresários que buscam participações estratégicas, um Equity pode ser bem-vindo. Nem sempre M&A são desejo dos sócios, mas quando o são, podem ser vantajosos. Além de trazer caixa para a companhia e para os sócios, a organização pode contar com participação de administradores profissionais nas decisões estratégicas e amadurecer a sua estrutura de governança. Entre 2016 e 2022, houve um grande volume de M&A no agro puxado por grandes companhias do setor, especialmente as listadas. Indicadores mostram que, assim que a queda da SELIC for mais acentuada (por volta de 2027 de acordo com o Boletim Focus), as fusões podem voltar a acontecer com maior força.
Vale ressaltar que o histórico de operações no Mercado de Capitais, como FIDC, Fiagro ou CRA, são pré-requisitos para um M&A de qualidade.
Concluindo
A nova era do crédito rural, embasada em dados concretos e reforçada por tendências apontadas nos principais meios de comunicação do país, oferece um campo fértil para a inovação e a expansão do setor privado. A busca por soluções tecnológicas, instrumentos financeiros modernos, Mercado de Capitais e melhorias regulatórias é caminho sem volta para atender ao potencial do agronegócio brasileiro.
Como destacou editorial da “Valor Econômico” (2024): “O setor privado, ao assumir protagonismo no crédito rural, pode impulsionar não apenas o agronegócio, mas o desenvolvimento econômico e social do Brasil como um todo.”
Maicon Farina
Sócio-diretor da Lure Capital, vice-presidente da Câmara Setorial de Governança Corporativa da Acieg e conselheiro fiscal do Sicoob Unicidades. Administrador pela PUC-GO, executivo financeiro pela FGV-SP, Estratégia pela FDC-MG e de conselheiro de administração pelo IBGC. Especialista em operações estruturadas de crédito e professor de Matemática Financeira.
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